Os grandes pesquisadores do desenvolvimento infantil tiveram o mérito de mostrar que bons estímulos dados desde muito cedo são decisivos para os passos seguintes na vida. Do panteão acadêmico ao cotidiano doméstico, uma nova pesquisa feita pelo Ibope a pedido da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), voltada para a primeira infância, mostra que pais e mães estão cada vez mais cientes disso no Brasil, em todas as faixas de renda. O levantamento, de cobertura nacional, mostra que 70% reconhecem a importância de estabelecer um vínculo forte com a criança e de dedicar a ela cuidados que extrapolem o básico — alimentação, saúde e rotina. Também se encontram ali dados que ajudam a sanar uma dúvida recorrente: botar ou não o filho pequeno na creche? Resposta: se a creche for boa, sim.
A pesquisa comparou o dia a dia de crianças de até 3 anos em três situações: as que vão à creche, as que ficam na casa de alguém e as que permanecem na própria casa. A conclusão é que na creche elas são, sim, mais estimuladas. Folheiam livros e ouvem histórias (89% versus 62% das que ficam em casa), brincam, desenham e pintam (91% versus 67%) e assistem à TV e vídeos com outra criança ou adulto (80% versus 60%). A socialização, aliás, é vista pelos pais como a vantagem número 1 proporcionada aos filhos pela creche, seguida do acompanhamento de profissionais especializados, do acesso a atividades variadas e ao desenvolvimento do raciocínio.
Esse cenário tão favorável à criança, no entanto, não é para a maioria no Brasil – nem do ponto de vista da quantidade nem da qualidade. Apenas um terço das crianças brasileiras frequenta creche ou berçário entre zero e 3 anos de idade, e a porção é desigual entre os mais ricos (59%) e os mais pobres (28%). A oferta de vagas, obrigatória por parte do estado, é claramente insuficiente. Considerando que o bom incentivo precoce é um empurrão crucial para o sucesso na vida, há um problema aí. “A desigualdade de oportunidades começa na largada”, diz a psicóloga Beatriz Abuchain, da FMCSV.
É papel da creche, além de cuidar, iniciar a criança na vida em sociedade e sedimentar as primeiríssimas noções de linguagem. No Brasil, infelizmente, nem sempre funciona assim. “Há inclusive pesquisas mostrando que uma creche ruim pode subtrair e não somar à criança”, enfatiza Beatriz. Outro aspecto é a amplitude do alcance obrigatório da creche no Brasil, maior do que em países desenvolvido. Nenhum deles oferece esse serviço antes de a criança completar 1 ano de idade. “Nesses primeiros meses, o bebê precisa de uma atenção muito individualizada que dificilmente encontrará em uma creche”, pondera Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais/FGV, que acrescenta: “Se falta vaga, por que não começar a resolver o problema dos que têm 3 anos, claramente mais afetados pela falta de acesso?” Sim, há ainda muitos nós a se desatar. Mas a boa notícia é que o Brasil, que sequer debatia o assunto, começou a encará-lo.