Com a pandemia e a obrigação de ficar em casa, esperava-se que a vida corrida entrasse no modo pausa. Em alguns aspectos, sobretudo nas atividades externas, entrou mesmo. Mas dentro de casa a constante demanda por produtividade e a enorme quantidade de conteúdos disponíveis a um clique pressionaram nas pessoas a tecla contrária, a da aceleração. Nas plataformas de streaming e nos celulares, os mais jovens, principalmente, embarcaram com entusiasmo no recurso que permite assistir a filmes e séries e escutar audiobooks em uma velocidade acima da normal — tudo, aparentemente, para sobrar tempo de assistir a mais filmes e séries e ouvir mais audiobooks. De tanto ser usada no entretenimento, a técnica acabou fazendo a inevitável travessia para as aulas on-line gravadas pelos professores — uma modalidade que já tem até nome em inglês, speed watching.
Cientes da tendência, aplicativos como YouTube, Google Meet e Zoom já oferecem ferramentas ou extensões que permitem ajustar o tempo gasto com uma gravação. Apertar o botão 2x, por exemplo, significa reduzir a duração do vídeo pela metade, com uma lição de uma hora sendo exibida em apenas trinta minutos. No 1,25x, ela dura 48 minutos, e no 1,5x, 40 minutos. “Uso esse método sempre que quero revisar algo perdido ou correr com a matéria. E posso dizer com tranquilidade que entendo perfeitamente os professores”, garante a carioca Mariana Barros, 22 anos, que cursa — a distância — engenharia de bioprocessos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
À primeira vista, acelerar aulas soa como um truque prejudicial ao aprendizado, mas não é bem assim. A ciência mostra que o cérebro humano padrão tem condições de se adaptar ao aumento de velocidade — até um certo ponto —, e o prejuízo só se faz sentir quando ele é ultrapassado. Se usado corretamente (leia no quadro), o ritmo aumentado pode até resultar, por incrível que pareça, em ganho de conhecimento — não pela aceleração em si, mas pelo tempo que sobra para estudar. Uma pesquisa da Universidade Stanford, na Califórnia, feita com base em mais de 6 000 alunos de cursos remotos, mostrou que aqueles que assistiram às videoaulas em modo 1,25x, ou 25% acima da velocidade original, obtiveram melhores resultados em suas notas finais. Mais: quem acelerou as exposições registrou menor taxa de abandono da classe e uso menos frequente da tecla de pausa, indicando maior concentração e interesse. “Não são todos os que se adaptam, mas nossa experiência demonstrou que a maioria pode se beneficiar da economia de tempo, principalmente se empregar os minutos poupados para ler ou fazer uma revisão do conteúdo”, diz o americano David Lang, um dos responsáveis pela pesquisa.
Na Universidade de Waseda, no Japão, testes semelhantes chegaram às mesmas conclusões, mas alertaram sobre o fato de que, se o ritmo for rápido demais, o resultado cai. O limite depende do nível de interesse pelo assunto ou da dificuldade da matéria, mas, segundo o estudo, o recomendável é parar no 1,5x. Gabriela Catão, 24 anos, estudante de ciências fundamentais para saúde da Universidade de São Paulo (USP), procura adequar a velocidade à cadência de fala dos professores e à complexidade dos temas, e ressalta uma vantagem extra na aceleração: poder ficar menos tempo na frente da tela do computador, já que passa, em média, dez horas por dia conectada. “Faço reuniões para projetos, chamadas com os amigos e ainda acompanho a faculdade. Por isso, sempre que posso acelero os vídeos para descansar depois”, diz ela.
Embora a quarentena prolongada tenha elevado a conexão dos jovens às últimas consequências, eles já nasceram grudados em aparelhos eletrônicos, convivendo com um turbilhão diário de informações oferecidas pela internet. Foi exatamente essa exposição, junto com a capacidade do sistema nervoso central de se moldar a novas experiências, que desenvolveu na turma de menos idade — da escola à universidade — a habilidade de adquirir conhecimento a partir de conteúdos exibidos de forma mais rápida. “O processo de aprendizado e memorização nada mais é do que neurônios fazendo novas conexões e reproduzindo os disparos elétricos no futuro”, explica Ariovaldo da Silva Jr., neurocientista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A nova geração está exercitando o que chamamos de fenômenos neuroplásticos — uma maneira mais efetiva e veloz de criar essas conexões.” O estudante Thiago Vieira, 16 anos, cursa o 1º ano do ensino médio na Escola Waldorf, em São Paulo, e está tão acostumado a acompanhar as aulas no modo rapidinho que estendeu o hábito aos momentos de lazer, como ouvir música. “Eu acabei gostando da velocidade”, diz.
Mais do que acelerar gravações, o que preocupa os especialistas é a constante sensação de urgência nas tarefas do dia, manifestação da ansiedade gerada pelo grande volume de estudos ou pela pressão de realizar além do que se é capaz. “Devemos tomar cuidado para não exigir demais dos jovens e produzir adultos desacostumados com o curso natural dos fatos”, alerta o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez. Os educadores ressaltam ainda a importância de os alunos manterem a atenção nas lições e nos debates ao vivo. “O processo de aprendizado é mais do que a transmissão de conhecimento. Ele engloba também a troca de ideias e a formação do senso crítico”, frisa Michelle Prazeres, professora da Faculdade Cásper Líbero e organizadora do movimento Desacelera SP. A vida no modo acelerado não deve ser adotada se o tempo que sobra for dedicado simplesmente a acelerar ainda mais.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738