Despertar na criança moderna, um ser bombardeado por estímulos vindos de todos os lados, aquela vontade de ir à escola e aprender é a grande tarefa de casa da educação do século XXI. Por muito tempo, a sala de aula virou as costas a um movimento inexorável – as novas gerações caminham com cada vez mais potência rumo à efervescência da internet e agora se espantam com o voo da inteligência artificial. Aos poucos, porém, resistências vêm se dissolvendo, e o ensino começa a abraçar o que antes repelia, justamente como estratégia para tentar quebrar o gelo dos alunos com o colégio.
E assim os games, que tanto absorvem a atenção da garotada, passam a ser ferramentas para o aprendizado como nunca se viu. Até os e-sports (se são ou não esporte, neste caso, não importa) começam a ser aplicados em escolas dos Estados Unidos, da China e de países da Europa. “No jogo, habilidades como liderança, raciocínio lógico, trabalho em equipe e o exercício de ganhar e perder são constantemente estimulados”, explica o inglês Kalan Neale, presidente da federação nacional de e-sports no Reino Unido, um dos palestrantes da Bett, o grande encontro mundial da inovação na educação, sediado em Londres entre 29 e 31 de março. Games e suas possibilidades para a aquisição do saber serão assunto.
No caso inglês, enquanto os alunos jogam, eles são monitorados por professores que estão lá para incentivar que as tais habilidades socioemocionais (este é o vocábulo) sejam afiadas e que o aluno saiba dar nome a elas- uma brincadeira que agora conta pontos no ingresso à universidade britânica.
Quando os games adentraram a paisagem educacional, eram criados para a escola e compartimentados por disciplinas, sem muita emoção, reproduzindo um modelo que, em sua raiz, já não atraía tanto. Mas eles foram se aprimorando e sofisticando e, hoje, abrangem um vasto leque de conhecimento ao mesmo tempo e podem colocar cada aluno em uma trilha própria – esta uma virada de página para o ensino. “A gamificação abre uma preciosa oportunidade para a escola individualizar o aprendizado, com cada estudante percorrendo a estrada do conhecimento ao seu ritmo”, enfatiza o professor de química Bernard Caffé, da Jovens Gênios, que dispõe de uma plataforma em que matemática, português, geografia vão sendo sedimentados à base de desafios, pontos, rankings – eis a linguagem do videogame.
Foi na nova etapa do uso deles em classe que as escolas se abriram para os jogos já estabelecidos, aqueles que tanto mobilizam crianças e jovens. No antigo Sin City, por exemplo, os especialistas reconhecem que o jogador precisa reunir uma espantosa quantidade de conhecimento para erguer uma cidade viável e funcional. Em League of Legends, cada integrante do time tem uma função diferente, exigindo uma complexa orquestração em equipe e muita resiliência para suportar os dissabores da jornada. “O importante é não perder de vista que o professor tem papel crucial para educar a partir daí”, lembra Kalan Neale, da federação inglesa dos e-sports.
Uma gama de estudos indica que princípios contidos nos jogos – e aí vale retornar às clássicas versões de tabuleiro e outras – podem ser muito úteis à educação. “A retenção de conhecimento é maior quando a gente pode simular a realidade e interagir, pondo a mão na massa”, diz o estudioso do tema Francisco Tupy.
Segundo a pirâmide da absorção do saber concebida nos anos de 1970 pelo americano Edgar Dale, depois de duas semanas guardamos 10% daquilo que lemos, 20% do que ouvimos e extraordinários 90% do falamos e fazemos – o que os jogos proporcionam. Se seu filho estiver absorto em frente a uma tela, portanto, pode estar com o cérebro a mil, no bom sentido. Só não vale passar horas e horas ali e viciar.