Nenhuma etapa da vida escolar produz tanta ansiedade coletiva quanto o ano de preparação para o Enem, passaporte de entrada para a maioria das universidades públicas e particulares do país. Para a turma agora embalada na tradicional maratona de estudos, a dureza será maior do que para qualquer outra. Pois esses jovens tiveram suas rotinas abruptamente transformadas pela pandemia, que fechou os portões dos colégios e fez uma multidão se recolher em casa em obediência à cartilha antivírus. Aprender no ambiente on-line vem exigindo um esforço de adaptação permanente desses estudantes, que não têm certeza ainda se pisarão de novo em uma sala de aula antes do exame. Como se não fosse o bastante, esta geração de vestibulandos (ainda são assim chamados) teve de lidar com outro fator desestabilizante: por dois meses, o cronograma do Enem, inicialmente em novembro, ficou em suspenso — até que, enfim, bateu-se o martelo nos dias 17 e 24 de janeiro.
Ter dia e hora marcados para a tão temida prova foi bom, mas não o suficiente para apaziguar os nervos da turma sugada pelos simulados. Afinal, maio — o mês escolhido, em enquete feita pelo Ministério da Educação, por quase metade dos que vão brigar por uma vaga na universidade — não emplacou, uma vez que janeiro se amoldava melhor ao calendário das instituições de ensino. Muitos alunos consideram que é pouco tempo para compensar tantas e profundas mudanças. “Está apertado demais”, reclama Victória Ávila, 19 anos, de Campinas, que mira o curso de direito. Como tantos outros que estão tendo de se virar em casa, ela desenvolveu uma estratégia: confecciona cartõezinhos com perguntas na frente e respostas no verso, matéria por matéria — um modo de manter concentração e foco, o que dez de cada dez especialistas afirmam ser imprescindível para o sucesso no exame.
A pandemia trouxe ao cenário novos e variados desafios — um deles, o mais básico, é o de ter um computador conectado à internet para poder assistir às videoaulas. De acordo com levantamento do Inep, órgão do MEC que aplica o Enem, entre os 5 milhões de inscritos na edição de 2019, 20% não acessavam a rede e 50% não possuíam nem computador. Alunos nessa situação têm se arranjado como podem, às vezes usando o celular mesmo ou pedindo socorro a um parente mais equipado. A tática da baiana Carla Cristina, 31 anos, para compensar a falta de um laptop para acompanhar as aulas é enfiar a cara nos livros. “Não vou desistir”, garante ela, voltada para seu objetivo de ingressar na faculdade de turismo, que adiou anos por precisar trabalhar.
Nestes tempos atípicos, um mandamento dos entendedores de preparação para o Enem é equacionar o tempo — meta certamente mais complicada quando se está em casa sob o comando do relógio. Programar o que estudar a cada dia da semana é um começo. “O tempo é o principal recurso que o vestibulando tem. Ele deve estabelecer horário para assistir às aulas, para fazer tarefas e simulados e resolver provas antigas”, ressalta Daniel Perry, diretor do Sistema Anglo. Outra recomendação é ir atrás de ajuda nas redes — há ali ótimos professores prontos para responder a dúvidas e até corrigir redações e exercícios (veja o quadro ao lado). “Sempre tirei notas boas e já planejava estudar muito por conta própria, mas o esquema 100% remoto exige disciplina diferente”, diz a carioca Maria Eduarda Siqueira, 17 anos, que sonha formar-se cineasta.
Nessas condições, não há dúvida de que adiar o Enem era o mais razoável. Um efeito colateral, porém, é esticar o período de uma jornada de estudos para lá de pesada. “É como se estivéssemos em uma corrida de longa distância e trocássemos uma prova de dez quilômetros por uma de quinze. Quem tiver resistência para seguir firme até janeiro está em vantagem”, avalia Thiago Galrão, coordenador de matemática da Rede AZ. O tempo estendido deve ser usado a favor do aluno, que assim poderá reprisar a colossal quantidade de conteúdo que cai na prova. “Como em uma maratona, o ideal é começar em ritmo mais tranquilo e dar o sprint na reta final”, resume o professor de história Vinícius de Paula, do Anglo, também empregando a metáfora das corridas, vastamente adotada nesse universo afeito ao jargão motivacional. Mas calma lá: ansiedade em demasia eleva o stress e tudo o que se busca agora é abrandar a pressão. “Em vez de os pais dizerem ‘você precisa estudar, o Enem está aí’, mais útil é que ajudem na consolidação de uma rotina e no equilíbrio”, pondera a psicóloga Ceres Araujo. Como se vê, a família também tem uma prova difícil pela frente.
Publicado em VEJA de 29 de julho de 2020, edição nº 2697