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Trump abre oportunidades a emergentes, diz economista

Aumento de gastos públicos proposto pelo novo presidente dos EUA deve favorecer países como o Brasil, diz David Kelly, do J.P. Morgan Asset Management

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 5 jan 2017, 11h26
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  • A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deu início a um período de desvalorização de ativos de países emergentes como o Brasil, mas, no longo prazo, as perspectivas são favoráveis. Essa é a avaliação do economista David Kelly, estrategista-chefe global do J.P.Morgan Asset Management, a divisão do banco americano que administra 1,8 trilhão de dólares em recursos.

    Kelly, que costuma ser o principal palestrante de conferências para investidores em todo o mundo, diz que a política de aumento de gastos públicos prometida por Trump vai pressionar a inflação em uma economia que já está em crescimento e atingiu o pleno emprego, com reflexos na taxa de juros, que deve subir mais rapidamente, mas que esse aumento da demanda americana pode favorecer outros países, como os emergentes. Outro fator que favorece economias em desenvolvimento como a brasileira é o término do processo de queda dos preços de matérias primas, as chamadas commodities.

    Kelly, que é irlandês, falou a VEJA junto com a brasileira Gabriela Santos, vice-presidente e estrategista global do J.P. Morgan Asset Management, em breve passagem por São Paulo para um evento com investidores locais.

    O que se deve esperar da economia americana com Donald Trump como presidente? Donald Trump fez muitas promessas. Eu acho que ele terá uma postura mais branda no comércio internacional do que prometeu. Ele falou em renegociar o Nafta (o tratado de livre comércio com o Canadá e o México). Ele pode mandar advertências para os dois países sempre que falar sobre o assunto, toda semana, mas não acho que queira impor tarifas mais altas de importação. Em relação à China, cobrar taxas mais elevadas não vai trazer de volta os empregos. E isso faria os preços subirem e seria algo muito impopular. E o governo chinês vai retaliar. É importante lembrar que a China possui cerca de 1 trilhão de dólares em títulos americanos. O que eu acho que Trump vai fazer é aumentar os gastos em defesa, em infraestrutura e cortar impostos, e isso vai ampliar os déficits fiscais. Provavelmente vai causar também um aumento da inflação e das taxas de juros. Já começamos a ver um pouco disso.

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    Qual será o impacto para os mercados emergentes? No curto prazo, o impacto será negativo por causa da valorização do dólar e das taxas de juros nos Estados Unidos, mas não estou certo sobre o longo prazo. Primeiro, porque o dólar deve parar de se valorizar, uma vez que já se encontra em um patamar muito elevado; e, em segundo lugar, haverá um crescimento maior dos Estados Unidos, o que deve levar a um aumento da demanda de consumidores ao redor do mundo. Nós avaliamos que há muitas oportunidades para os emergentes no longo prazo.

    Gabriela Santos: Com esse pano de fundo mais desafiador, com o dólar mais valorizado e taxas de retorno mais altas no mundo desenvolvido, os investidores se tornam muito mais seletivos. Não é um ambiente em que todos os países emergentes se beneficiam. E é por essa razão que é necessário que os emergentes implementem as reformas e voltem a crescer. É o que nós esperávamos que ocorresse em 2016 e que alguns países terão que entregar em 2017. Será muito mais importante que alcancem essas melhorias.

    Em julho passado, o senhor advertiu para chances perto de 60% de uma recessão na economia americana em algum momento nos próximos três anos. O senhor mantém essa visão? Eu sei que parece algo ruim, mas não é fora do comum. Nós sempre falamos que as chances de uma recessão começar em qualquer trimestre é de cerca de 5%. Na base anual, isso equivale a quase 20%. E, em um intervalo de três anos, a quase 60%. É apenas isso. E é a maneira correta de avaliar as recessões. Elas são como acidentes. Derivam de uma série de erros. É como o estouro de bolhas. A probabilidade é que ocorra em algum momento, mas a economia continua a crescer até que a bolha estoure. Eu falo sobre a probabilidade de recessão nos próximos três anos, mas não há nada no curto prazo que indique que isso vá ocorrer agora. Não vemos excessos nos gastos do consumidor, no setor imobiliário ou em tecnologia que afetem a economia americana, que está sob controle. E isso a torna menos vulnerável. Mas eu acho que haverá uma recessão no próximo mandato presidencial (até 2020).

    Em 2016, houve o Brexit e a vitória de Trump, que prevaleceram sobre o establishment. O mundo está em uma era de incertezas? Nós já estivemos antes em uma era das incertezas? As pessoas sempre dizem que estamos na era das incertezas, mas nunca eu ouvi alguém dizendo “as coisas estão muito mais certas atualmente”. O fato é que há um movimento populista ao redor do mundo, nacionalista, anticomércio. Não necessariamente bem informado. Esse é um dos riscos em 2017.

    Gabriela Santos: Uma comparação interessante é o que acontece na América Latina. É o oposto. Nós observamos a reabertura comercial, o retorno a modelos amigáveis aos negócios privados em países como o Brasil, a Argentina, o Peru. Na verdade, a região está à parte do mundo a esse respeito.

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    David Kelly: O problema é que populistas se tornam populares uma vez que estão reunidos. Muitas dessas noções sobre o Brexit são maneiras muito simplistas de olhar para o mundo. E é difícil evitar que (esses movimentos) ocorram. É o caso das propostas de Trump. É uma época errada para estímulos fiscais. O país já se encontra no pleno emprego. Estímulos fiscais são utilizados quando economias estão em recessão. É como quando eu peço um steak (bife). Eu gosto de steak ao ponto. Mas se o steak já estiver ao ponto e eu colocar na grelha mais um tempo, ele vai passar do ponto. É o que pode acontecer com os estímulos. Vai acabar causando pressões sobre a inflação.

    O senhor criticou recentes decisões do Federal Reserve de não elevar as taxas de juros. Por que o senhor avalia que o Fed demorou a subir as taxas? Eu penso que os diretores do Fed estão muito preocupados com potenciais eventos que podem tirar a economia dos trilhos. Em parte, eles não compreendem a lentidão da atividade. Eu tenho chamado a economia americana de uma tartaruga saudável. Ela avança e não tem sido capaz de crescer mais rapidamente. Mas o Fed não deveria estar alarmado com isso. Eu acho que o Fed considera que os juros baixos causam um bem maior do que de fato acontece e que vão ajudar a economia a crescer mais rapidamente. Nós entendemos que não. Mas eles também estão preocupados com o dólar.

    A economista Gabriela Santos do JP Morgan
    A economista Gabriela Santos do JP Morgan (Divulgação)

    Gabriela Santos: É uma extensão das preocupações do Fed: com o dólar, com o impacto em mercados emergentes e com uma desvalorização maior do yuan. É um conjunto de preocupações que vai além do que costumava importar muito mais no passado, que era o crescimento da economia americana e a inflação. Eram tempos mais simples.

    O Fed é independente, mas o senhor espera alguma mudança na forma como os diretores do banco e a presidente Janet Yellen vão conduzir a política monetária no governo Trump? Não. Isso não é algo que esteja claro, mas a lei é muito clara: o Federal Reserve é independente. A questão é se Donald Trump, como presidente, vai comentar a política monetária. Tradicionalmente, presidentes americanos não fazem isso. E eu espero que ele siga a tradição. Mas, se ele fizer comentários, eu acredito que isso não vai mudar a política monetária. Pode causar mais incertezas. O Federal Reserve vai manter a sua independência, e isso é muito importante para os mercados financeiros globais. É uma independência garantida por lei. Se alguém quiser mudar, terá que encaminhar um projeto ao Congresso para propor a alteração, e haverá muita oposição.

    O senhor mudou a sua projeção para as taxas de juros por causa da promessa de estímulos fiscais do presidente Trump? Um pouquinho. Nós temos que ver o que vai acontecer. Eu acho que Janet Yellen diria que nós temos que conhecer com mais detalhes o quanto haverá de estímulo fiscal. Mas, em geral, eu diria que sim, que o estímulo fiscal tende a fazer o Federal Reserve aumentar os juros mais rapidamente. E teremos que ver também como o dólar vai reagir.

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    Há um ano, o senhor disse que os juros altos no Brasil sufocavam a economia e tornavam quase impossível estabilizar a dívida pública. Os juros só começaram a cair em outubro. O Banco Central está sendo cauteloso demais? Eu acho que sim, estão sendo cautelosos.

    Gabriela Santos: Seria muito importante ter taxas de juros baixas no Brasil, seja para promover um maior crescimento econômico, seja para estabilizar a dívida. Mas os juros precisam cair pelas razões corretas: precisam cair porque as expectativas de inflação estão ancoradas. E é por isso que eu acho que o Banco Central está sendo corretamente cauteloso, porque está aguardando que as expectativas de inflação se estabilizem, o que vai permitir resgatar a sua credibilidade. E isso foi agora em boa parte alcançado. As expectativas para a inflação em 2017 já estão abaixo de 5% e convergindo para 4,5% em 2018. Agora o Banco Central pode reduzir os juros com credibilidade.

    Qual a avaliação sobre a política econômica do novo governo no Brasil? Nós estamos cautelosamente otimistas. Há dois fatores que são muito importantes: primeiro, o novo governo conversa com o setor privado. Isso está ocorrendo muito mais do que na administração anterior. E o segundo fator é que o novo governo está levando as medidas fiscais muito a sério, e isso é o que precisa ser feito. Eles estão se esforçando. Isso não significa que os objetivos serão alcançados sem dor, mas é a direção correta.

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    Qual a mensagem que vocês passaram para os investidores? Em primeiro lugar, para que não reajam de forma exagerada à vitória de Donald Trump. Explicamos que as implicações de longo prazo não são exatamente as mesmas do mercado no curto prazo. E, em segundo lugar, embora a sua eleição tenha sido inicialmente negativa para os emergentes, ainda estamos otimistas com eles no médio e no longo prazos, porque alguns dos ventos contrários que derrubaram essas economias estão perdendo força. É o caso das cotações de commodities. E isso vai torná-las mais competitivas.

    Gabriela Santos: Uma mensagem para a plateia brasileira foi destacar as oportunidades de investimento fora do país. É claro que, com taxas de juros tão elevadas, é fácil ter investimentos apenas em renda fixa ou em outros ativos brasileiros. Mas há oportunidades fora do país, como ações americanas e europeias e high yield bonds (títulos de rendimento elevado e alto risco).

    Quais são as perspectivas para as cotações de commodities? É preciso analisar caso a caso. No petróleo, os ciclos serão cada vez menores. A chave costumava ser a mudança no ritmo de extração dos países produtores ou a entrada em operação de grandes projetos. Mas, com o gás de xisto nos Estados Unidos, os equipamentos podem ser ligados ou desligados muito rapidamente. Nos próximos anos, os preços vão subir muito mais rapidamente. Hoje os mercados estão mais equilibrados.

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    Gabriela Santos:  É difícil que haja um novo aumento expressivo de demanda pelos metais industriais, como minério de ferro e cobre. A economia chinesa está mais focada em serviços e consumo e não vai crescer tão rapidamente. E o resultado disso é uma demanda menor por commodities. Houve um reequilíbrio de curto prazo nos preços depois da eleição americana por causa da perspectiva de gastos maiores com infraestrutura. Mas eu acho difícil que os Estados Unidos consigam ocupar todo esse espaço deixado pela China. É, portanto, uma alta temporária. Mas, no médio prazo, ainda que não esperemos um novo superciclo de alta das cotações, o pior já passou para as commodities. Houve ajustes na oferta, como cortes na produção nos últimos anos. A estabilização dos preços já é muito importante para as economias emergentes, porque significa grande melhora em relação às quedas anuais de 40%, 50%.

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