Conhecido por sua crônica morosidade, o Judiciário brasileiro tem recorrido à tecnologia para virar o jogo. O Tribunal do Piauí, por exemplo, aposta em aplicações de inteligência artificial (IA) para acelerar a tramitação dos processos, racionalizar custos e detectar fraudes. Há um ano e meio, a primeira instância da Justiça piauiense utiliza o Robô de Informações da Corregedoria (RIC).
Desenvolvido pela própria equipe do tribunal, o RIC auxilia em diversas rotinas, e é um dos principais responsáveis pelo aumento da produtividade, expressa pela melhora do índice de atendimento à demanda (IAD), uma das métricas com que o Conselho Nacional de Justiça mede a qualidade dos trabalhos de cada corte. O IAD compara a quantidade de processos baixados (soma dos concluídos com os encaminhados para outras instâncias) com o número de casos novos.
Em janeiro de 2023, quando o RIC foi implantado, o IAD do Tribunal do Piauí era de 83%. Isso significa que os magistrados conseguiam resolver 83 processos para cada 100 que chegavam. O índice subiu para 107% no acumulado até julho. Atualmente, mais de 640 mil processos aguardam andamento nas cortes do Piauí, um estado com quase 3,3 milhões de habitantes.
Como comparação, Alagoas, que conta com uma população de 3,1 milhões, acumula 705 mil ações e apresentou um IAD de apenas 33% no acumulado até julho, representado por 103 mil processos baixados, contra 311 mil iniciados.
“Na prática, isso significa que conseguimos dar vazão a todos os processos de 2024, e ainda pegar o acervo de processos de anos anteriores”, explica Leandro Rodrigues Sampaio, gestor do núcleo de aceleração de projetos e inteligência artificial da corregedoria geral da Justiça do Piauí.
Segundo Sampaio, mais do que zerar a fila de ações, o objetivo é encurtar seu tempo de tramitação. “Alguns processos são naturalmente mais demorados”, diz. “Termos 600 mil ações não é um problema, se elas podem ser julgadas rapidamente”, acrescenta.
Entre as aplicações do RIC, está a verificação de óbitos, o que evita que o Tribunal desperdice tempo e recursos na tentativa de localizar testemunhas, reclamantes e reclamados já falecidos. Um efeito colateral benéfico foi a identificação de fraudes processuais, nas quais advogados apresentam ações em nome de pessoas mortas.
“Sou um entusiasta da tecnologia e acredito que ela pode melhorar muito o Judiciário”, diz o desembargador Olímpio José Passos Galvão, idealizador do RIC. Outra aplicação da inteligência artificial é a identificação de casos de litigância predatória, em que a mesma pessoa apresenta dezenas de ações com a mesma queixa e contra a mesma parte. “Temos situações em que uma única pessoa física apresentou 30 processos contra o mesmo banco”, conta Sampaio. “Em outro caso, um indivíduo acumula 174 ações contra bancos diferentes”.
Ao inibir casos de litigância predatória, o tribunal também economiza dinheiro dos contribuintes. No Piauí, estima-se que cada ação custe aos cofres públicos entre 4 mil e 5 mil reais. “Alguém com mais de cem ações está consumindo meio milhão de reais em recursos públicos”, diz Sampaio.
A IA também inibe tentativas de manipulação de sentenças. Nesses casos, advogados apresentam o mesmo caso em várias cortes, até que um deles seja distribuído a um juiz com quem tem mais afinidade e de quem espera um veredicto positivo.
Além de racionalizar a tramitação de ações, o RIC já é usado também no combate a fraudes cometidas dentro do próprio tribunal, como o pagamento de salários e benefícios a funcionários já mortos.
A próxima etapa de desenvolvimento apostará em maior interação da ferramenta com os usuários. “Queremos que ela seja mais responsiva”, explica Sampaio. Assim, qualquer pessoa nas 61 comarcas do Piauí poderá solicitar ajuda em questões específicas. Em outra frente, o Tribunal do Estado vem fechando diversos convênios para ter acesso a mais bases de dados. Um dos objetivos é melhorar a localização de pessoas com pendências judiciais, a partir de dados de concessionárias de serviços públicos e órgãos do Executivo local.
“Essas ferramentas realmente contribuem para diminuir o acervo processual e racionalizar o trabalho da Justiça”, diz o desembargador Olímpio José Passos Galvão. “Acredito que, até o fim do ano, teremos resultados ainda melhores”.