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Tentação protecionista

Paulo Guedes já comprou sua primeira briga : quer abrir a economia para reforçar a competitividade da indústria, um setor acostumado com benefícios

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h32 - Publicado em 2 nov 2018, 07h00
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  • O país está em um processo de desindustrialização acelerada há mais de trinta anos. Vamos salvar a indústria brasileira, apesar dos industriais brasileiros.” Ao seu estilo, sem meias palavras, o anunciado superministro para a Economia, Paulo Guedes, passou o recado sobre o que ele pretende que seja a nova política pública para o setor industrial. Em vez de sinalizar com os tradicionais incentivos direcionados para favorecer quem tem peso maior na economia — ou lobby mais poderoso em Brasília —, o homem forte de Bolsonaro acenou com medidas que buscam trazer competitividade para todo o setor produtivo, sem distinção. A agenda inclui simplificar e reduzir os impostos, baixar os juros e o custo do crédito, atacar a burocracia estatal e melhorar a logística de transportes, ou seja, combater os itens que formam o já conhecido “custo Brasil”, expressão que resume tudo aquilo que leva a produção no país a ser mais cara do que em outras nações.

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    Enquanto são implementadas essas medidas, as empresas brasileiras terão de lidar com uma concorrência de estrangeiras em maior grau do que acontece há duas décadas e meia. É a abertura ao mercado global, uma ação defendida por analistas como imprescindível para fortalecer a economia. No último ranking de abertura comercial calculado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupou um vexatório 118º lugar entre 140 países. “É mais eficaz que o governo melhore o ambiente empreendedor como um todo, garantindo a infraestrutura, por exemplo, e então cada empresa que dispute o mercado e busque se impor pela competência”, diz Mark Essle, sócio da consultoria A.T. Kearney.

    Não será uma tarefa trivial. A necessidade de abrir a economia para ampliar a competição dos produtos nacionais com os importados já é debatida há muitos anos. A concorrência obriga as empresas a tornar-se mais eficientes em seus processos produtivos. Quem não se adapta pode morrer pelo caminho, mas aquelas que sobrevivem ficam mais bem preparadas para crescer no Brasil, e também no exterior. A abertura econômica é uma via de duas mãos, então as companhias passam a ter acesso a insumos de maior qualidade e menor preço. No governo do PT, de bandeira nacionalista e protecionista, a estratégia teve pouco espaço. Mas isso se deveu também à já conhecida resistência do setor privado. A força da indústria para conseguir o que quer é evidente: como ela responde por cerca de 20% do produto interno bruto (PIB), gera muitos empregos — incluindo aqueles que pagam os melhores salários — e é o segmento que mais investe em inovação.

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    AMEAÇA ESTRANGEIRA – A Receita Federal em ação: barreiras à importação (Antonio Milena/VEJA)
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    Isso ajuda a explicar por que Guedes foi tão enfático em suas declarações. Chegou a seus ouvidos, por exemplo, que empresários de alguns dos setores mais relevantes já se articulavam para ter um canal direto de diálogo, ou pressão política, com Jair Bolsonaro nas últimas semanas. Na segunda-feira 22, que antecedeu o segundo turno, representantes dos ramos siderúrgico, automotivo, têxtil, químico, de máquinas, da construção civil e dos exportadores se reuniram com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-­RS), e com o próprio candidato Jair Bolsonaro para expressar o que entendem ser as prioridades para a indústria. O encontro, que aconteceu na casa de Bolsonaro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, foi articulado por Lorenzoni e pelo deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG), que já tinha contato com alguns empresários. Na ocasião, os executivos argumentaram que a derrubada de tarifas para produtos importados, uma bandeira fundamental de Guedes e de economistas liberais com perfil semelhante, poderia arruinar a indústria. Usando uma tática que sempre funcionou no passado, pintaram um cenário trágico de desemprego em massa caso Guedes vá adiante com seu plano. Concordam, é claro, com a redução de impostos e de burocracia. Mas resistem à contrapartida, condicionando a abertura a acordos de livre-comércio negociados com outros países ou blocos regionais. “Falamos que é preciso pôr em prática uma agenda para reforçar a competitividade da indústria. A prioridade é a reforma tributária”, afirma José Velloso Dias Cardoso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que esteve presente à reunião.

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    O futuro ministro tem outro projeto que melindra os industriais: acabar com os incentivos tributários e creditícios para determinados setores. São aquelas exceções que os empresários pedem apenas para si, mas que abundam em território nacional. Só no ano passado, o governo federal abriu mão de 21,6 bilhões de reais com benefícios fiscais para companhias instaladas na Zona Franca de Manaus. A desoneração da folha de pagamento promovida por Dilma Rousseff desfalcou o Tesouro em 13,3 bilhões de reais, e fábricas de carros foram liberadas do pagamento de 5,2 bilhões de reais em impostos.

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    É para evitar esse varejo de benesses que Paulo Guedes convenceu Bolsonaro a unificar os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Tudo ficará sob seu comando. Segundo Guedes, isso também permitirá que as planejadas medidas de redução de impostos e eliminação de barreiras protecionistas sejam implementadas de forma coordenada. Atualmente, a diminuição ou a eliminação de alíquotas de importação dependem de decisão da Camex, uma secretaria subordinada ao Ministério da Indústria. Há casos que levam mais de um ano até que uma resolução seja tomada. Em tese, o superministério pode agilizar esse processo de análise. “O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços acabou se tornando uma trincheira da I Guerra Mundial: estão lá com arame farpado, defendendo protecionismo, subsídio, desonerações setoriais, coisas que prejudicam a indústria brasileira, em vez de defender redução e simplificação de impostos e integração competitiva com a economia internacional”, afirmou Guedes. A unificação foi duramente criticada pelas entidades industriais, que acreditam que as necessidades do setor ficarão em segundo plano em um ministério com tantas atribuições e outras prioridades.

    Novas pressões da indústria brasileira ainda estão por vir. Mas, como observou o futuro ministro, tantas medidas de proteção não impediram a perda de relevância da indústria na economia nacional. O desafio será fazer a transição de modo que as empresas consigam se beneficiar da necessária melhora do ambiente de negócios e possam enfrentar a concorrência global. Analistas dizem que hoje a maior parte da indústria brasileira não tem condições de encarar os produtos importados em pé de igualdade. As mercadorias produzidas no país são mais caras, de qualidade inferior, ou as duas coisas ao mesmo tempo. É melhor partir para o receituário já experimentado e consagrado em países desenvolvidos. Ganha a indústria, ganha a economia, ganha o consumidor.

    Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607

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