Eu comecei a trabalhar na Gradiente no dia 6 de janeiro de 1956 e nunca mais parei. A bem da verdade, a Gradiente naquela época não tinha esse nome. Era Staub, fundada em 1930 pelo meu pai, um homem à frente do seu tempo. Progressista, até. Saiu da Suíça em 1927, pois havia chegado à conclusão de que o país já estava pronto, não havia mais o que fazer lá. Meu pai gostava tanto de um desafio que escolheu logo o Brasil e quase foi à falência em 1945. O mundo estava em guerra, as torneiras secaram. À época, ele atuava como importador — e ninguém importava mais nada.
Não chegamos a passar fome, nem nada desse tipo. Eu era criança e uma das poucas lembranças que tenho daquela época é ver, da janela de minha casa, no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara. Recordo que minha mãe, todas as noites, pedia para fecharmos as cortinas. Havia rumores de que submarinos italianos ou alemães poderiam estar na região. Não queríamos facilitar um eventual ataque. Por isso, a minha mãe deixava as persianas baixas. Era orientação do governo.
A Staub sobreviveu à guerra. Em 1964, viramos fabricantes, num período de grande desenvolvimento do país. O nosso negócio era produzir seletores de aparelhos de televisão. Assim, demos o primeiro grande salto. Incorporamos a Gradiente, que na ocasião tinha setenta empregados, era pequena e ocupava um pequeno galpão na Barra Funda, em São Paulo. Tínhamos certeza de que o Brasil seria uma grande potência. A nossa empresa chegou a ter oito fábricas, uma delas no México, e 6 500 empregados. Nosso grande ano foi 2006, quando faturamos mais de 1 bilhão de dólares. Mas perdemos o rumo.
Eu vi de tudo. Vi nascer a indústria eletrônica. Eram mais de 100 fabricantes de rádios e televisões apenas em São Paulo, e hoje sobraram poucas. Nossa história foi marcada por pioneirismos. Oferecíamos produtos que não existiam no Brasil, como tocadores de CDs e DVDs, mas não previmos o fim dessa indústria. O nosso ganha-pão desapareceu. Nosso faturamento foi para quase zero. Não percebemos o que estava claro, que o mercado estava mudando. Em 2018, entramos em recuperação judicial com mais de 2 bilhões de reais em dívidas. No ano passado, saímos da recuperação. Pagamos quase tudo. E ainda sobrou caixa. Eu deveria voltar a empreender ou investir? O que fazer? Meu DNA é o de empreendedor. Se colocasse o pouco que nos sobrou em investimentos, com a taxa de juros alta do jeito que está, eu poderia estar fazendo mais dinheiro hoje. Mas não sou assim.
Hoje em dia, a Gradiente é uma marca licenciada — e recebemos royalties por isso. Mas também entramos no mercado de energia solar, como prestadora de serviços para a instalação de telhas solares especiais para residências. Outra opção que discutimos era o de especialização em lâmpadas de LED, mas descartamos. Sempre olhamos para o futuro. Nesse sentido, o potencial do mercado de energia solar é maior. As pessoas sentem falta de uma marca conhecida nesse setor, que não existe. Queremos atender a isso. Começamos a vender há apenas um mês. Não quero acordar a concorrência, mas estamos indo bem. Pretendemos ter 10% desse mercado em cinco anos.
Estou com 83 anos. Meus filhos estão me pressionando para escrever um livro. Não quero, mas vou ter de fazer. Meu sonho é que eles assumam uma empresa saudável, mesmo que menor, e que sempre se reinventa. Sei que a Gradiente não voltará a ser o que era, mas ela nunca vai deixar de ser algo. Meu pai estaria orgulhoso. A Gradiente ainda existe. E vai ser assim para sempre.
Eugênio Staub em depoimento dado a Pedro Gil
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912