Se a falta de dinheiro tornou muito limitado o espaço para o governo federal tocar grandes projetos, a iniciativa privada brasileira vive um momento de fartura de recursos. Como que alheio à pandemia, à CPI, ao ruído político e aos altos índices de desemprego, o mercado de capitais passa por um momento especial. E, surpreendentemente, isso acontece em meio a um período em que os próprios investidores brasileiros não confiam nas oportunidades no país. Enquanto eles tiraram quase 50 bilhões de reais da B3 no primeiro semestre deste ano, os estrangeiros voltaram com força para a bolsa brasileira. Até o meio de julho, a entrada de capital internacional chegou a 45 bilhões de reais. Com os juros ainda muito baixos para os títulos governamentais em todo o mundo, recurso usado para mitigar os efeitos da Covid-19, os investidores estão em busca de ativos com capacidade de boa valorização, mesmo com mais riscos. Além disso, a forte desvalorização do real também estimula os aportes no país.
O volume expressivo de recursos que chega ao Brasil tem criado uma janela positiva para as empresas nacionais, que usam a bolsa para captar capital e se posicionar melhor no mercado, crescendo e adquirindo concorrentes. “Há uma conjunção de fatores positivos, como a queda histórica na taxa básica de juros, a grande quantidade de empresas precisando de capital para crescer e investidores estrangeiros querendo diversificar o seu portfólio”, explica Florian Bartunek, sócio-fundador da gestora Constellation. “Não há como prever a duração desse ciclo, mas uma coisa é certa: o impulso que tem propiciado às empresas ainda vai se estender por vários anos.”
Nesse cenário, o ano já acena com a quebra de alguns recordes. Na quarta-feira 21, dia em que a fabricante de eletrônicos Multilaser levantou 2,2 bilhões de reais na bolsa, o volume captado por empresas na B3 atingiu, no acumulado do ano, 85,16 bilhões de reais. Esse valor contempla não só as ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) de estreantes, como também ofertas subsequentes (follow-on), negociação de dívidas e cotas de fundos imobiliários ou de receitas a serem recebidas. A expectativa é que, em pouco menos de um mês, o valor movimentado ultrapasse todo o volume alcançado em 2020, em torno de 120 bilhões de reais. Apenas a operação que marcou a saída da Petrobras da BR Distribuidora, há três semanas, movimentou 11,4 bilhões de reais, sendo que 34% das ações foram compradas por estrangeiros.
Há atualmente uma fila de 26 empresas para realizar abertura de capital na B3, incluindo o gigante de combustíveis Raízen, dono dos postos de gasolina Shell no país, com faturamento superior a 110 bilhões de reais. A empresa pretende levantar até 7,7 bilhões de reais na operação.
Boa parte dessa captação de recursos é canalizada para o plano de expansão das empresas. Até o início de julho, o volume de fusões e aquisições anunciadas alcançou 52,6 bilhões de dólares, superando o total movimentado em todo o ano passado, segundo a consultoria Dealogic. Para Alexandre Manoel, economista-chefe da MZK Investimentos, esse cenário tem como pano de fundo uma política a favor do mercado adotada pelo governo desde a Presidência de Michel Temer. “A pauta econômica no Brasil está na mesma direção desde 2016, com uma agenda pró-mercado e pró-negócios”, afirma. Imagina se o governo, em vez de se dedicar a polêmicas desnecessárias, ainda ajudasse?
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748