A empresa americana General Motors (GM), dona de marcas tradicionais como Chevrolet e Cadillac, pôs o pé no freio. O gigante do setor automotivo anunciou que vai fechar em 2019 sete fábricas — quatro nos Estados Unidos, uma no Canadá e duas ao redor do mundo —, o que pode levar à demissão de 14 800 funcionários. A maior reestruturação da GM desde que foi socorrida pelo governo americano na crise de 2008 vem acompanhada da promessa de redução — e até encerramento — da produção de alguns modelos. Seguindo uma tendência mundial, a montadora vai focar utilitários esportivos, como SUVs e picapes, em vez de sedãs, e promete dobrar os investimentos para o desenvolvimento de carros elétricos e autônomos. O Brasil não será afetado num primeiro momento.
O movimento da GM bate de frente com a promessa de fortalecimento da indústria americana feita pelo presidente Donald Trump, que tem travado uma guerra verbal e tributária para impedir que empresas dos Estados Unidos escolham produzir em outros países. “Eles estão brincando com a pessoa errada”, disse o republicano, para quem a montadora, em vez de fechar fábricas nos EUA, deveria parar de produzir na China, o maior mercado automotivo do mundo, e abrir uma nova fábrica em Ohio, celeiro eleitoral de Trump e um dos principais estados afetados pelo corte. Ele ainda ameaçou retirar subsídios para a venda de veículos elétricos. No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau adotou um tom menos belicoso.
A presidente executiva da GM, Mary Barra, declarou que os cortes devem gerar uma economia de 6 bilhões de dólares até o fim de 2019 e que prefere fazê-los enquanto a companhia está no lucro e a economia americana cresce. A estratégia, portanto, é antecipar-se a uma recessão que deve bater à porta nos próximos anos. Além disso, a GM tem sido afetada pelo encarecimento do aço e do alumínio, um efeito colateral indesejado do protecionismo e da guerra comercial promovida pelo próprio presidente Trump. A intenção da montadora é cortar processos burocráticos e tornar-se mais flexível para investir em novas tecnologias, a fim de atender às necessidades de mercado. Saem de cena na América do Norte modelos sedãs e compactos como Chevrolet Cruze, Impala, Volt e LaCrosse, a exemplo de decisões tomadas por concorrentes. A Ford divulgara em abril que pararia de produzir o Taurus e o Fiesta na América do Norte e que priorizaria o crossover Focus Active e o esportivo Mustang. A Fiat Chrysler já havia anunciado o encerramento da produção de sedãs e reforçou a produção de carros maiores, como o Alfa Romeo Stelvio e os novos Jeeps.
“Os veículos elétricos demandam muito menos gente na sua produção do que os veículos a combustão. Cada vez mais postos de trabalho vão ser fechados”, diz o engenheiro Roberto Bortolussi, professor do Centro Universitário FEI. Segundo ele, as decisões da GM são uma consequência já esperada do processo de inovação no setor. A GM de outrora, gigantesca e, por vezes, burocrática, desacelera para dedicar-se à corrida do futuro, independentemente do cenário: seja uma recessão na economia mais forte do mundo, seja uma virada ainda mais acentuada do mercado em direção à indústria 4.0, da robotização e dos carros elétricos e autônomos.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611