Desde 2004, 30 milhões de brasileiros deixaram a miséria. Nos últimos dois anos, entretanto, os índices de pobreza voltaram a subir, como resultado da recessão e da inflação. De acordo com as projeções feitas em um estudo do Banco Mundial, o número de pessoas pobres subirá de 17,3 milhões para 19,8 milhões entre 2015 e 2017. Serão 2,5 milhões de “novos pobres”, na definição do estudo. A parcela dos pobres no total da população, que havia caído para 7,4%, aumentará para 10%.
Na avaliação do economista Emmanuel Skoufias, especialista em combate à pobreza e coordenador do estudo, a retomada do crescimento econômico deverá voltar a gerar oportunidades de ascensão social para a população mais carente. Ele adverte, entretanto, que a recuperação será sustentável apenas se houver equilíbrio nas contas públicas. “A austeridade não é culpada pelo aumento da pobreza”, afirma. “Sem o ajuste nas contas do governo, a pobreza poderia crescer ainda mais no futuro, porque o resultado de finanças públicas desequilibradas seria o aumento da inflação e das taxas de juros – e ambos esses fatores tendem a lesar mais os pobres do que os ricos.”
Skoufias deu a seguinte entrevista a VEJA:
O aumento da pobreza é um fenômeno transitório, devido à recessão, ou o processo de redução da pobreza atingiu um limite?
Os principais mecanismos para a redução da pobreza no Brasil, e em qualquer outro país, são mercados de trabalho saudáveis, com aumento das oportunidades e de salários. A atual crise econômica provocou uma profunda redução de empregos, aumentando, consequentemente, a pobreza a partir de 2015. Contanto que o país consiga se recuperar e gerar novas oportunidades de emprego, esse fenômeno, no entanto, será algo mais transitório do que permanente. Para fazer isso de uma forma sustentável, o Brasil precisará de um novo modelo de crescimento que seja menos dependente de commodities, do crédito para estimular o consumo e da expansão dos gastos públicos. O crescimento deverá ser baseado em iniciativas do setor privado, em investimentos e em uma melhora na qualificação da força de trabalho.
“O equilíbrio fiscal não tem culpa pelo aumento da pobreza. Sem o ajuste nas contas do governo, a pobreza poderia crescer ainda mais no futuro”
O ajuste fiscal deve ser culpado pelo aumento da pobreza?
O equilíbrio fiscal não tem culpa pelo aumento da pobreza. Sem o ajuste nas contas do governo, a pobreza poderia crescer ainda mais no futuro, porque o resultado de finanças públicas desequilibradas seria o aumento da inflação e das taxas de juros – e ambos esses fatores tendem a lesar mais os pobres do que os ricos. O argumento de que a austeridade é a culpada pela recessão não se aplica ao Brasil, tendo em vista a relação entre finanças públicas, taxas de juros e a confiança dos investidores. De qualquer maneira, a forma como o ajuste fiscal é conduzido importa no que diz respeito a como os pobres serão afetados. Os gastos públicos do Brasil são muito grandes quando comparados aos países de renda média, mas grande parte disso vai para as classes de renda maior, e não para os pobres. Dois exemplos disso são o sistema de Previdência, que gera um grande déficit e beneficia majoritariamente os funcionários públicos com os melhores salários, e os subsídios pagos para indústrias através de empréstimos com juros baixos ou de concessões fiscais. Apesar de argumentarem que os subsídios são necessários para a manutenção de empregos, existem poucas evidências de que isso, de fato, aconteça. Esses incentivos custam cerca de dez vezes mais do que o Bolsa Família. Cortando gastos desnecessários e protegendo serviços públicos voltados às famílias carentes, o ajuste orçamentário pode ser feito de uma forma que não atinja os mais pobres.
O que o governo deveria fazer para diminuir o impacto da recessão sobre os mais pobres?
Uma opção relativamente barata seria aumentar os recursos do Bolsa Família. Nosso recente estudo argumenta que esse pode ser um instrumento para prevenir que mais brasileiros caiam para a pobreza enquanto acontecem as reformas estruturais e os propulsores do crescimento sejam restaurados. Nossa análise sugere que desigualdade social e pobreza continuarão em alta em 2017. Tanto nos cenários mais otimistas como nos mais pessimistas, a expectativa é que os índices de desigualdade e pobreza aumentem, principalmente nas áreas urbanas e menos nas áreas rurais – onde esses índices já são altos. Apesar de não impactar tanto sobre o índice geral de pobreza, a distribuição do orçamento adicional do Bolsa Família para os “novos pobres” pode prevenir que o nível de pobreza extrema cresça. É importante ter em mente que estimativas anteriores do orçamento adicional necessário ao Bolsa Família são baseadas no atual nível de benefícios reais do programa e nas regras de elegibilidade e assumindo ajustes anuais no orçamento nominal ao mesmo nível da taxa de inflação anual para manter o poder de compra dos benefícios constante ao longo do tempo. O atraso no ajuste do valor nominal das transferências para o Bolsa Família ao nível da taxa de inflação pode levar a maiores índices de pobreza.
Como o Brasil se compara com outros países da região? Em algum outro lugar aconteceu recentemente um retrocesso semelhante?
Em geral, houve um declínio no crescimento dos países da América Latina, mas o Brasil parece ter sido o mais afetado. Como resultado disso, projetamos que os índices de pobreza no país aumentarão mais do que em qualquer outro lugar. De qualquer forma, houve uma interrupção na redução da pobreza em toda América Latina. Com a recuperação do crescimento prevista para a maioria dos países da região em 2017, esperamos ver também um retorno no progresso do combate à pobreza.
Vocês sugeriram um aumento no valor dos repasses do Bolsa Família. Isso pode ajudar, mas como enfrentar os desafios relacionados à redução da pobreza estrutural e da desigualdade social?
Não sugerimos um aumento do valor dos repasses do Bolsa Família. O que sugerimos foi um aumento do valor nominal das transferências no nível da taxa de inflação para manter o poder de compra dos repasses constante. Os desafios relacionados à redução da pobreza estrutural e desigualdade social no Brasil, em grande medida, podem ser abordados por políticas e programas que melhorem a saúde básica, a educação e também do saneamento. Em termos gerais, isso requer um aumento da eficiência na forma como os serviços públicos são entregues aos pobres e reformas estruturais que deem espaço para iniciativas privadas gerarem mais oportunidades de emprego. Somado a isso, um fator crítico nessa equação é a coordenação dos esforços voltados para a redução da pobreza e a vontade e a capacidade para continuamente monitorar e avaliar a efetividade das políticas públicas. O programa Brasil Sem Miséria contém muitos desses elementos, mas uma avaliação cuidadosa do impacto é necessária para determinar o quão efetivo ele tem sido e como pode ser melhorado, não apenas para proteger os pobres, mas para ajuda-los a escapar da pobreza estrutural.
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