O Brasil é uma nação com diferentes vocações. Grande extensão territorial e condições climáticas favoráveis fizeram com que o agronegócio encontrasse por aqui campo fértil para prosperar. Por sua vez, a monumental Floresta Amazônica pôs o país no mapa dos patrimônios ambientais do planeta. Há uma terceira vocação, contudo, que tem se caracterizado, ano após ano, como uma oportunidade perdida. Sob qualquer ponto de vista, o turismo brasileiro é um colossal fiasco. Em 2022, 3,6 milhões de estrangeiros visitaram o Brasil. Para efeito de comparação, a Argentina, embora menor e menos multifacetada, recebeu o dobro de turistas do exterior — foram 7,2 milhões. O cenário permanece distante do ideal, mas alguns sinais mostram que o setor, enfim, prepara-se para decolar.
De janeiro a maio, o Brasil recebeu 2,9 milhões de turistas de outros países, o equivalente a 82% dos visitantes internacionais de 2022 inteiro. Nesse ritmo, tudo indica que 6,5 milhões de pessoas cruzarão as fronteiras nacionais, o suficiente para quebrar o recorde alcançado em 2019. O acréscimo significativo de turistas estrangeiros tem relação direta com o retorno dos argentinos. Nos quatro primeiros meses do ano, 1,2 milhão de hermanos desembarcaram nas cidades brasileiras, um aumento de 166% na mesma base comparativa. O pódio de países que mais enviaram turistas tem os Estados Unidos em segundo lugar e o Paraguai em terceiro. “Finalmente, entramos em um ritmo acelerado de recuperação”, diz Magda Nassar, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav).
Há diversas explicações para o movimento. Além da óbvia demanda reprimida na pandemia, especialistas apontam a ampliação das rotas aéreas vindas do exterior, a maior procura por destinos com viés sustentável — o Brasil amazônico e da Mata Atlântica insere-se nesse contexto — e até a guerra entre Rússia e Ucrânia como fatores que podem afastar turistas de outras regiões e trazê-los para cá. Seja como for, a verdade é que o turismo tem papel vital na aceleração da economia. O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, lembra que os estrangeiros deixaram 10,7 bilhões de reais no Brasil no primeiro quadrimestre de 2023. Ainda assim, é pouco perto do extraordinário potencial brasileiro.
Poucos países possuem, de fato, atrações tão diversas. Das praias do Nordeste ao cerrado, do Pantanal aos pampas, das florestas tropicais às metrópoles cosmopolitas, dos restaurantes estrelados à vida cultural intensa, o Brasil é por natureza um destino convidativo. Na direção oposta, os flagelos da violência urbana e a infraestrutura deficitária representam barreiras que nenhum governo consegue derrubar. Apesar dos desafios, o país detém o oitavo maior potencial do mundo para o desenvolvimento do setor, conforme ranking feito pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês). Por que, então, não consegue fazer jus à sua vocação?
Em geral, os avanços no setor são pontuais e nunca fruto de políticas de Estado. “Um país sem projeto perde possibilidades”, afirma Vinicius Lummertz, ex-ministro do Turismo. Para se ter ideia, em 2023 o Plano Safra destinará 340 bilhões de reais para o agronegócio, enquanto uma linha especializada de crédito do Ministério do Turismo contará com menos de 1 bilhão de reais. No fim de maio, o presidente Lula vetou o redirecionamento de 5% dos recursos arrecadados pelo Sistema S para a Embratur. O valor estimado era da ordem de 450 milhões de reais. “Tanto a Embratur quanto o ministério não têm recursos para tocar projetos”, diz Manoel Cardoso Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih).
Turbulências políticas também impedem o avanço do setor. Em meados de julho, após semanas de especulações, Daniela Carneiro (União-RJ) deixou o posto de ministra do Turismo para dar lugar ao deputado Celso Sabino (União-PA), escolhido pelo presidente Lula para apaziguar o desejo irrefreável do Centrão por mais espaço no governo. O turismo é uma força vital da economia. Por isso deveria ser tratado como prioridade máxima em um país tão único como o Brasil.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852