Os bancos suíços costumam ser vistos como exemplos de estabilidade, confiabilidade e solidez dentro do sistema financeiro mundial. Na quarta-feira 15, essa percepção foi quebrada quando o Credit Suisse, a segunda maior instituição bancária do país alpino, sofreu uma derrocada histórica. As ações do banco despencaram cerca de 25%, na maior queda registrada em sua existência.
O impacto aconteceu depois que o principal acionista, o banco Saudi National Bank, descartou a hipótese de novas injeções de capital após a instituição suíça reportar “fraquezas” nos controles sobre relatórios financeiros, agravando uma crise de confiança já instalada desde o ano passado, provocada por investimentos e empréstimos erráticos. O abalo na centenária casa, fundada em 1856, reverberou mundo afora. A instabilidade bateu em congêneres europeus, como o alemão Deutsche Bank, o britânico Barclays, e os franceses BNP Paribas e Société Générale. Ao mesmo tempo, o rendimento de títulos alemães despencou, assim como as bolsas de valores em todo o mundo. Apenas entre os bancos europeus, as perdas chegaram a mais de 60 bilhões de dólares em um só dia.
A tormenta que se abateu sobre o Credit foi encarada com mais preocupação por ter eclodido dias depois de um quebra-quebra de bancos de médio porte nos Estados Unidos. O primeiro deles foi o Silicon Valley Bank (SVB), o 16º maior do país, voltado ao mercado de tecnologia, com destaque junto a startups. O SVB faliu praticamente do dia para a noite, em apenas 36 horas, na sexta-feira 10. Foi a maior falência bancária americana desde a quebra do Lehman Brothers, estopim da crise financeira de 2008. Logo depois do SVB, foi a vez de outra instituição regional, o Signature Bank, fechar as portas, no domingo 12. “O episódio dos Estados Unidos desencadeou um ruído em torno de todo o setor bancário, que sempre tem as instituições candidatas a crise. O Credit Suisse era essa instituição neste momento, uma vez que tem apresentado resultados ruins e suas ações vem caindo ano a ano”, diz o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso.
Em ambos os episódios, instalaram-se operações de socorro para evitar o pior. Nos Estados Unidos, uma ação rápida e conjunta do governo de Joe Biden e do Federal Reserve Bank (Fed) garantiu os empréstimos aos bancos em derrocada e trouxe maior segurança ao setor. Assim que a crise do Credit se deflagrou do outro lado do Atlântico, o temor era que a Suíça provavelmente não tivesse estrutura para um resgate ao Credit. Voz solitária que apontava para o risco da crise de 2008, o economista Nouriel Roubini alertou que havia um risco de um “momento Lehman Brothers” na situação. “O problema é que o Credit Suisse, segundo alguns padrões, pode ser grande demais para falir, mas também grande demais para ser salvo”, avaliou. Na noite de quarta-feira na Suíça, felizmente, a autoridade monetária disse que, se necessário, fornecerá liquidez à instituição financeira. No dia seguinte, o banco anunciou que se preparava para tomar créditos de resgate de até 54 bilhões de dólares do Banco Nacional da Suíça, medida que fez com que suas ações subissem 20% e as bolsas revertessem o baque do dia anterior.
Num primeiro momento, o mercado brasileiro absorveu bem os tremores vindos do exterior. Na quarta-feira 15, a queda do Ibovespa foi de apenas 0,25%. O próprio efeito causado pela intervenção do governo americano no SVB já havia sido modesto. Apesar de empresas brasileiras acumularem depósitos de 3 bilhões de dólares na instituição, grandes techs locais, como Nubank, Inter, PagSeguro e Mercado Livre rapidamente vieram a público esclarecer que não estavam expostas ao problema. Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) definiu o setor bancário brasileiro como “bem capitalizado, líquido, com provisionamento suficiente e operações majoritariamente no mercado local”, o que garantiria a segurança dos clientes e da economia. De fato, o sistema nacional é mais concentrado e com regulação diferente, mais forte, no sentido de exigir menos exposição a empréstimos arriscados ou alocação de dinheiro em relação ao capital total. Porém episódios envolvendo abalos nas finanças globais sempre são motivo de atenção pelos possíveis impactos macroeconômicos. “Em um cenário assim, qualquer expectativa de crescimento que se tenha para o Brasil pode ser impactada de alguma maneira”, afirma Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central.
A quebra do SVB e os apuros do Credit Suisse têm como pano de fundo as altas taxas de juros adotadas mundo afora para enfrentar a inflação após o impacto duplo da Covid e da guerra na Ucrânia. O CEO do poderoso fundo de investimentos BlackRock, Larry Fink, escreveu em sua carta anual para investidores que a quebra do SVB pode não ser um evento pontual. Afinal, o banco investia nos títulos mais seguros do planeta, os do Tesouro americano. Entretanto, com a rapidez da elevação da taxa de juros dos Estados Unidos, tais papéis acabaram superados por similares de emissão mais recente, com juros maiores. No momento em que surgiu uma crise de confiança no banco, os clientes correram para retirar seus recursos e o SVB precisou se desfazer de seus títulos antes do prazo, com prejuízo. Isso demonstrou, segundo Fink, “falhas no sistema financeiro” que podem desencadear outras quebras. “É um preço que já estamos pagando por anos de dinheiro fácil. Isso mexe com as placas tectônicas da economia. Bancos, empresas e negócios que eram viáveis com juro zero passam a não ser mais com os juros a 4%, a 5%”, escreveu.
Em meio a esse cenário nebuloso, o Fed americano se prepara para tomar nos próximos dias uma das decisões de juros mais importantes dos últimos tempos. A expectativa antes da crise era um aumento na taxa em mais 0,5 ponto porcentual, mas o mercado já trabalha com a perspectiva de uma alta menor ou até mesmo uma interrupção das subidas. Isso seria muito bom para o Brasil. Por aqui, na próxima quarta-feira, 22, o Banco Central também decidirá sobre a taxa de juros. A pressão para a interrupção nos aumentos é forte, mas são recorrentes os alertas de que as condições para isso ainda não estão dadas. Especialmente pelo movimento de aumento lá fora. Se isso for interrompido, o cenário muda. “Enquanto as incertezas não forem reduzidas, o espaço para a queda dos juros é quase inexistente”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. Pela mesma razão, trata-se de um momento crucial para o governo apresentar seu arcabouço fiscal, como mostra a reportagem nas páginas a seguir. É muito importante que o governo demonstre seu compromisso com as contas públicas e com a estabilidade econômica — o país precisa muito disso.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2023, edição nº 2833