A quinta-feira, 27, começou agitada para o mercado financeiro americano — e mundial. O discurso do presidente do Banco Central dos EUA (Federal Reserve, FED), Jerome Powell, no Simpósio Econômico de Jackson Hole, sinalizou para onde vai a política monetária da maior economia do mundo nos próximos meses. Representando uma mudança na postura do Federal Reserve, que usualmente se preocupa em controlar a inflação, Powell afirmou que o foco do BC americano será mantê-la na média de 2%, e sinalizou que é tolerável um aumento modesto e temporário acima da meta. O objetivo é promover crescimento econômico e aumentar a criação de emprego. Para isso, o Fed utilizará todas as suas ferramentas de política monetária para estimular a economia e continuará mantendo os juros a patamares próximos a zero. “É uma mudança de arcabouço da estrutura de política monetária do Fed. A inflação está bem abaixo da meta e assim vai permanecer por algum tempo, e se a inflação até superar a meta, isso não se traduzirá em aumento imediato de juros”, diz Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências.
As bolsas americanas para o mercado futuro operavam em leve baixa antes do discurso, mas a tendência virou após as boas notícias para o mercado financeiro. O Dow Jones Futures operava em alta de 0,46% minutos após o pronunciamento, e o S&P 500 mini em alta de 1,02%. O mercado à vista também reagiu bem à fala de Powell. O Dow Jones teve alta de 0,58%, e o S&P 500 de 1,02%. Quando os juros básicos da economia estão baixos, os investimentos em renda variável se tornam mais atrativos diante da baixa rentabilidade dos ativos de renda fixa, o que explica a alta nos mercado financeiros. Vale lembrar que, com a inflação alta e a baixa taxa de juros, o juros real dos Títulos Públicos americanos podem ficar negativos. “A inflação seria uma das maneiras dos governos pagarem mas suas dívidas e é provavelmente o que o Fed vai fazer. Quando se olha a projeção para o Título do Tesouro de 10 anos, o juros real é -1%”, diz Adriano Cantreva, analista da Portofino Investimentos. O mercado estima que a dívida dos Estados Unidos está em aproximadamente 25 trilhões de dólares, acima do PIB. No Brasil, os investidores também se animaram com as notícias dos Estados Unidos e o Ibovespa crescia 0,74%, a 101.330,61 pontos, após um dia de baixa devido às intempéries políticas locais.
A postura do comandante do FED deve fazer com que a tendência de desvalorização do dólar se mantenha. Com a sinalização de mais incentivos a economia — ou seja, injeções trilhonárias de dólares no mercado, a moeda deve continuar a derreter no mundo. Após o anúncio de Powell, o dólar passou a cair 0,2(% em relação ao euro, por exemplo. Por aqui, durante o discurso do chefe do FED, a moeda engatou forte queda, sendo negociada a 5,56 reais. Por volta das 11h35, no entanto, operava em queda de 0,18%, a 5,602 reais. O derretimento da moeda por aqui não necessariamente é uma tendência a longo prazo. Isso porque o cenário doméstico brasileiro influencia bastante a cotação da nossa moeda em relação ao dólar. Está no radar dos investidores a instabilidade na condução da política econômica, após desentendimentos públicos entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Sem um consenso sobre a condução econômica, a moeda brasileira deve continuar se desvalorizando.
Retomada nos EUA
Saíram nesta quarta-feira, pouco antes do discurso de Powell, os dados de pedidos de auxílio-desemprego, considerados por analistas uma boa forma para analisar em tempo real a tendência da maior economia do mundo. Na semana que se encerrou no dia 22 de agosto, os pedidos de auxílio desemprego caíram pela segunda vez consecutiva, de 1,01 milhão para 980 mil, mostrando uma melhoria recente no mercado de trabalho. O índice é muito abaixo do momento mais crítico da pandemia, em março, quando 6,8 milhões solicitaram o benefício, porém é superior ao triplo do pré pandemia, quando 282 mil pessoas pediram o auxílio.
Os estímulos do FED, com a tolerância à meta de inflação, ocorrem em cenário de recessão recorde nos EUA. Às 9h30 no horário de Brasília o Escritório de Análise Econômica (Bureau of Economic Analysis) dos Estados Unidos divulgou o Produto Interno Bruto real americano revisado do segundo trimestre, com queda queda de 31,7% na comparação anualizada. O número é melhor que o divulgado anteriormente, que previa uma redução do PIB de 32,9%, e que estimado pelos analistas, que aguardavam uma retração de 34%. No número revisado, houve menor retração nos investimentos em estoque privado, ou seja, a diferença entre os bens produzidos e os bens vendidos, e menor queda no nas despesas de consumo pessoal.
Os dados mostram uma retração forte no período de abril a junho, o mais afetado pela pandemia do novo coronavírus, quando foi necessário fazer o lockdown, o que diminuiu o consumo da população e as atividades econômicas. No primeiro trimestre de 2020, o PIB real diminuiu 5,0 por cento. Apesar da forte queda, ela não mais porque porque houve flexibilização do distanciamento social em algumas áreas do país nos meses de maio e junho. Os benefícios governamentais de auxílio às famílias e empresas também contribuíram para uma queda menos acentuada. “Isso levou a mudanças rápidas na atividade, à medida que empresas e escolas continuavam trabalhando remotamente e consumidores e empresas cancelavam, restringiam ou redirecionavam seus gastos”, diz o documento divulgado.
Entre as áreas que mais afetaram a queda no PIB, estão a diminuição das Despesas de Consumo Pessoal, nas exportações, no investimento fixo residencial e não residencial, principalmente veículos de transporte, gastos dos governos locais e investimento em estoque privado, principalmente no varejo e em vendas por concessionárias de veículos motorizados. Houve diminuição também nas importações.
Já a renda interna bruta real (GDI) retraiu 33,1% no segundo trimestre, ante uma queda de 2,5% no primeiro trimestre. O índice de preços das compras internas brutas, por sua vez, diminuiu significantemente ante o trimestre anterior: a queda de abril a junho diminuiu 1,5% no período, após um aumento de 1,4% no primeiro trimestre. O índice de preços de Despesas de Consumo Pessoal diminuiu 1,8%, após um aumento de 1,3 por cento no primeiro trimestre. Quando excluídos os preços de alimento e energia, a queda foi de 1%, após um aumento de 1,6% no primeiro trimestre.