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Plano Guedes: o pacote de medidas do ministro para destravar a economia

Para além da Nova Previdência e do FGTS, governo vai lançar mudanças estruturais para tirar o Brasil do atraso

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Victor Irajá, Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h17 - Publicado em 26 jul 2019, 06h50
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  • Não, não foram poucos os brasileiros que, naquele histórico 17 de abril de 2016 — data em que o plenário da Câmara aprovou o impeachment da presidente Dilma Rous­seff —, imaginaram estar vivendo o fim de um pesadelo coletivo. A partir dali, supunham, o país reencontraria o norte da prosperidade econômica. No entanto, mais de três anos depois, o Brasil ainda está longe de concretizar o sonho do crescimento. Os números são pífios. E o desemprego se encontra nos patamares mais altos desde o fim da década de 90. Entre estudiosos, é consenso que, apesar da bonança dos anos 2000, nenhum presidente conseguiu tirar o país da armadilha da renda média — mal que acomete as nações que batem em um teto de desenvolvimento e não são capazes de dar o salto para se tornar ricas. VEJA ouviu o parecer de economistas de relevo sobre o cenário nacional (leia a opinião de alguns nos destaques). Para tirar o país do atoleiro, Jair Bolsonaro confia que poderá mudar tal quadro por meio de um auxiliar a quem concedeu status de superministro: Paulo Guedes, o titular da pasta da Economia. Após sete meses de um esforço quase exclusivo em defesa da reforma da Previdência, aprovada em primeiro turno pelos deputados federais, Guedes promete anunciar nas próximas semanas a conclusão de uma série de medidas — detalhadas nesta reportagem — que, somadas, vão destravar cerca de 4 trilhões de reais em uma década e podem dobrar o PIB per capita brasileiro nos próximos dez anos. Na falta de um nome oficial, o arsenal do ministro vem sendo chamado de “Plano Guedes”.

    A ambição é deixar para trás, de uma vez por todas, os voos de galinha da economia nacional, levando-a a alcançar velocidade de cruzeiro. Tudo isso sem injeção de recursos, afinal as contas públicas apresentam déficit há quatro anos. E sem perda de tempo — logo após a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara, em 12 de julho, Paulo Guedes convocou seus nove secretários especiais para discutir os próximos passos. O entendimento foi o de que a prioridade é criar um bom ambiente de negócios para estimular a retomada dos investimentos. A ideia encontra eco em personagens que já estiveram nos sapatos do time de Guedes. “As pessoas começam a achar que só pelo fato de aprovarmos a reforma da Previdência retomaremos o crescimento”, afirma Raul Velloso, que participou da equipe econômica do governo de José Sarney. “A Nova Previdência virou o grande assunto do país, porém demora a trazer retorno, e é preciso estimular os investimentos privados”, conclui. De fato, a agenda do ministro Guedes no primeiro semestre mostra que ele gastou boa parte do expediente no chamado corpo a corpo com parlamentares e governadores para defender as alterações nas regras da aposentadoria. Mas a chave virou. O ministério trabalha agora com afinco na construção de medidas de curto, médio e longo prazo para despertar o “espírito animal” na sociedade — termo cunhado pelo economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) para descrever o ímpeto empreendedor dos empresários.

    Caixa EconÙmica Federal
    DINHEIRO NA MÃO - Entre as propostas de curto prazo está a liberação de saques do FGTS (Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo)

    As primeiras ações já estão aparecendo. Na quarta-feira 24, o governo liberou saques de até 500 reais nas contas ativas e inativas do FGTS e do PIS/Pasep. O time de Guedes, em conjunto com diretores e servidores da Caixa e do Banco do Brasil, emendou sete dias e varou madrugadas de trabalho para pôr de pé a medida, que trará uma injeção de 42 bilhões de reais à economia até o fim de 2020. Em outra frente, o ministro avisou que serão disponibilizados, até o fim deste ano, 120 bilhões de reais em depósitos compulsórios — dinheiro que os bancos precisam deixar reservado por determinação do Banco Central. Também é dada como certa pelo governo uma queda de 1 ponto porcentual na taxa básica de juros (Selic) do BC até dezembro, o que vai arrefecer em 40 bilhões de reais os gastos públicos com o pagamento de juros da dívida. As três medidas produzem um impacto direto sobre o mercado de crédito sem lançar mão dos subsídios praticados no passado, que fatalmente cobram a conta. Apesar de parecer óbvio que, com um endividamento de 62% das famílias brasileiras, segundo a Confederação Nacional do Comércio, grande parte dos recursos do FGTS será usada para o pagamento de dívidas, o perfil financeiro do brasileiro tende a apresentar uma melhora e, com isso, ele voltará a consumir. As ações, que colocarão dinheiro no bolso do povo, dos bancos e do próprio governo, somam aproximadamente 220 bilhões de reais — uma faísca claramente insuficiente para acender uma economia de 6,8 trilhões de reais. “Essa ideia de liberação do FGTS é uma bala só, não resolve nada. É necessário um pacote de medidas que levem ao aquecimento da produtividade da economia”, alerta a economista Elena Landau, responsável pelo programa de privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. “Ainda faltam ações diretas para estimular o investimento”, reforça Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda no governo Dilma. Guedes sabe disso. Ele mesmo, no passado, se posicionava contra a medida por entender que se trata de um paliativo que não soluciona a questão estrutural do baixo crescimento. Sentado na cadeira de ministro, contudo, entendeu que alguma atitude emergencial era necessária.

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    Especial 20 anos – As pessoas – Economia
    (ALEXANDRE SCHINEIDER/VEJA)

    “Como resolvemos o desemprego e a subutilização da capacidade instalada? É necessário, além das reformas estruturantes, impulso de demanda.”

    Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real

    Guedes cedeu, todavia segue em seu plano firme de deitar as bases estruturantes de um ambiente de negócios mais livre e próspero. As ações que se desenvolverão ao longo deste ano e do próximo passaram a ser tratadas como prioridade. Já foi anunciado o Novo Mercado do Gás, para quebrar o monopólio da Petrobras no setor, o que deve baratear o custo da energia. Na próxima semana, serão revistas as resoluções normativas que regem as regras de segurança e saúde no trabalho — uma das pautas prioritárias da indústria para baratear a produção. Para facilitar a vida do empresário, já caminham no Congresso a Medida Provisória da Liberdade Econômica e uma proposta de reforma tributária que promete impulsionar a economia em 0,5% ao ano e ainda será alvo de adendos do governo (leia mais). No Executivo, andam a passos largos os trabalhos de digitalização e automatização do serviço público, que prometem cortar custos enquanto aumentam a produtividade do Estado.

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    Jose Alexandre Scheinkman
    (Claudio Gatti/VEJA)

    “Para atrair investimentos, é necessário melhorar o ambiente de negócios, com o fim da burocratização e das regulamentações malfeitas, e acabar com a insegurança jurídica.”

    José Scheinkman, ex-presidente do departamento de economia na Universidade de Chicago
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    (ARTE/VEJA)

    Entre as medidas de médio prazo, que poderão ser sentidas ainda no próprio governo de Jair Bolsonaro — principalmente no caso de ele se reeleger em 2022 —, faltam avançar as colossais privatizações e novas negociações de acordos comerciais. Na terça 23, numa sinalização positiva para o ambiente de negócios, foi fechada a venda, por 9,6 bilhões de reais, de 30% da BR Distribuidora pela Petrobras — que assim perdeu o controle acionário. O valor é menos de 1% do total de dinheiro privado que a administração Bolsonaro quer angariar com a venda de empresas, bens e concessões públicas. Um estudo elaborado pelo Bank of America e entregue ao Executivo brasileiro revela o mapa das oportunidades de negócios nas privatizações. Segundo o banco, o Estado tem um total de participações de difícil venda no valor de 734,3 bilhões de reais e de participações mais fáceis de ser vendidas no montante de 389,7 bilhões de reais. Nessa frente, o governo espera levantar até 100 bilhões de reais ainda neste ano — a prioridade é a venda dos Correios, Eletrobras, Serpro, Dataprev e Casa da Moeda. Até 2022, mais de 390 bilhões em vendas de estatais estão previstos. Além da venda de ativos, concessões de serviços como ferrovias, estradas e aeroportos devem trazer mais 115 bilhões ao caixa do governo. Somando-se a esses valores os desinvestimentos do BNDES (que tem participação em empresas como Vale, JBS e Bombril), a devolução de recursos por bancos públicos e a venda de imóveis da União, um total de 990 bilhões de reais — quase a economia inteira do Chile — faz brilhar os olhos de Paulo Guedes. A ideia é despejar a maior parte desse dinheiro na dívida do país.

    De acordo com o economista Alexandre Schwartsman, todas essas providências não serão suficientes para destravar a economia em 2019, entretanto são capazes de afastar o risco de uma explosão nas contas públicas. “Este ano está perdido, mas começamos a dar passos importantes com as reformas, o que atrasa, por enquanto, o risco de uma crise fiscal”, explica.

    A abertura comercial, uma promessa de campanha de Bolsonaro, também segue a toda. Depois de liderar as tratativas pela assinatura do acordo que extingue tarifas comerciais nas transações entre a União Europeia e o Mercosul, a equipe econômica mira agora a maior potência do planeta. Na semana que vem, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, virá ao Brasil para discutir a criação de um ambiente livre de tarifas entre o bloco sul-americano e o país de Trump. O governo brasileiro espera concluir as negociações a partir de novembro, depois da eleição argentina. “Será um acordo interessante para o produtor porque ele terá acesso às tecnologias americanas e poderá também ampliar suas exportações”, destaca o secretário de Comércio Exterior, Marcos Troyjo.

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    Um ponto crucial no Plano Guedes é a redução das taxas bancárias. Desde a saída de Dilma, a Selic caiu de 14,25% para 6,5% ao ano — o menor índice da história. As taxas cobradas ao consumidor, contudo, não seguiram o mesmo ritmo. Os juros do cartão de crédito, por exemplo, fecharam 2016 em 484% ao ano e estão, agora, em 300%. Além da pouca concorrência, a falta de fundamentos mais sólidos para a atividade bancária impede uma queda mais rápida dos juros impostos aos correntistas. São dois os fatores que merecem ser atacados com agilidade, na visão de Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. O primeiro é a revisão de legislação que rege as garantias bancárias. E o segundo é o fortalecimento do mercado de renda fixa. Afora isso, os operadores do mercado financeiro precisam confiar que a Selic ficará em patamares baixos por um período maior. “Numa situação de aperto do mercado consumidor, desemprego e máquinas ociosas, podem-se manter os juros baixos por tempo prolongado. A Selic poderia cair até 5% neste ano”, acredita ele. Apesar de não ter gestão sobre o Banco Central, Guedes acompanha de perto a agenda que está sendo tocada pela autoridade monetária. Junto de Roberto Campos Neto, presidente do BC, o governo estuda anunciar dezessete medidas de impacto nos próximos três meses. “A retomada da economia passa pelo fortalecimento do mercado de capitais, por isso, em conjunto com o Banco Central e outros órgãos, estamos para concluir essa agenda”, diz Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda. O governo quer dar mais transparência, melhores condições de preços no mercado e educação para que as pessoas saibam como alocar os recursos. Em um cenário global de quedas acentuadas dos juros, o momento é ideal para encampar a bandeira no país.

    Plano Guedes: o pacote de medidas do ministro para destravar a economia
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    “Numa situação de aperto do mercado, desemprego e máquinas ociosas, o BC faz bem se pressionar os juros para baixo. A Selic poderia cair a 5% neste ano.”

    Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central
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    (ARTE/VEJA)

    Todas as medidas do BC, que podem adicionar 1,2% ao crescimento do PIB em quatro anos, visam a uma reformulação do sistema financeiro a longo prazo, assim como duas ações que o Ministério da Economia vai protagonizar a partir de 2020. Está sendo gestada na Secretaria de Fazenda a PEC do Pacto Federativo, para redistribuir o controle de recursos que hoje ficam nas mãos da União. Guedes tem a convicção de que estados e municípios são mais eficientes em alocar recursos em políticas regionais que os órgãos em Brasília. Por último, a reforma administrativa, embrionária, promete abrir caminho para a revisão dos planos de carreira de servidores públicos e para o fim da estabilidade. Evidentemente, essas medidas precisam passar pelo Congresso, mas as lideranças das duas Casas (em especial o presidente da Câmara, Rodrigo Maia) já deram sinais de que abraçam as causas a favor dos brasileiros. “É muito bom escutar do próprio Parlamento que há um interesse mútuo para avançar na questão da reforma administrativa”, observa Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional.

    Posto da BR Distribuidora
    COMBUSTÍVEL - Posto da BR Distribuidora, cujo controle foi vendido: sinalização positiva para os investidores (Diego Vara/Reuters/VEJA)

    Se Guedes conseguir uma performance perfeita e conquistar vitórias com essa série de propostas, de fato o país poderá se livrar do peso do Estado na economia. A dificuldade será o ministro desvencilhar-se dos grupos de interesse e das falas desastradas de Jair Bolsonaro, como bem resume o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real: “O ambiente político horrível em que vivemos desde o impeachment traz enorme indefinição e incerteza. Enquanto persistir esse clima, ninguém vai investir”. O Plano Guedes pode mudar isso. Se o fizer, o “Posto Ipiranga”, como o ministro foi apelidado por Bolsonaro logo no início da campanha, terá ajudado a promover uma, por assim dizer, segunda independência do Brasil — e, desta vez, calcada em um desenvolvimento sustentado.

    Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645

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