O Brasil do século XXI, e provavelmente na maior parte de sua história, é um país marcado por oportunidades perdidas. Tome-se como ponto de partida a última década. De 2013 a 2022, o nosso produto interno bruto (PIB) cresceu em média 0,75% ao ano. Sob qualquer ângulo, trata-se de desempenho vergonhoso, que representa uma afronta ao tremendo potencial brasileiro. As comparações com outros países reforçam a sensação de fracasso contínuo. No mesmo período, o mundo avançou, também na média, 3%. Quando se analisam as nações emergentes — que, portanto, representam uma referência mais justa —, a nossa desvantagem é ainda mais categórica: suas economias em conjunto aceleraram, a cada ano, 4,3%. Não há critério ou parâmetro que não situe o Brasil em posição incômoda, a despeito dos governantes de ocasião e das correntes ideológicas que estiverem no poder. Todos eles, em maior ou menor grau, falharam na obrigação de fazer o país despertar de um sono prolongado.
O mais recente resultado do PIB, divulgado há alguns dias pelo IBGE, mostra que o contexto atual pode ser diferente. Há agora, independentemente do governo de plantão, ressalte-se mais uma vez, uma chance real de o país encontrar o caminho do crescimento sustentável, de longo prazo, imprescindível para reduzir o atraso histórico nos campos econômico e social. No período de doze meses até junho, a geração de riqueza subiu 3,2%. O resultado surpreendeu o mercado financeiro, e não demorou para que bancos, gestoras de recursos e organismos internacionais revisassem as projeções para o desempenho do PIB em 2023. De 0,8% nas estimativas iniciais feitas em janeiro, as previsões beiram 3% atualmente.
Na perspectiva imediatista, o resultado do PIB deve ser atribuído sobretudo ao bom desempenho da indústria extrativista, ao consumo das famílias e ao setor de serviços. Do ponto de vista mais amplo, é preciso olhar os números com as lentes voltadas para o passado recente. “Em parte, as surpresas do crescimento que estamos vendo — já são quinze meses de surpresa para cima — talvez sejam resultado de um ganho de eficiência de várias medidas que foram feitas há algum tempo”, disse Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em fórum promovido pelo banco americano JP Morgan. Ele tem razão.
Nos últimos anos, as reformas trabalhista e previdenciária, as iniciativas para facilitar a abertura de empresas, os investimentos em infraestrutura na forma de concessões e privatizações e a modernização dos meios de pagamentos, associada à independência do Banco Central, fizeram do Brasil um país menos afrontoso ao mundo dos negócios. “Qualquer conjunto de ideias macroeconômicas leva um tempo para mostrar efeito”, afirma Bruno Laskowsky, ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao que parece, os efeitos começaram a aparecer. O governo Lula, obviamente, não está alheio aos recentes resultados. A ele deve ser creditado o avanço da reforma tributária e, com ponderações, o arcabouço fiscal, cuja efetividade precisará ser provada, dada a aposta em aumento das receitas e a falta de disposição para cortar gastos. “Não se pode ter uma visão voluntarista desse assunto, como a defesa da expansão do crédito público para as empresas privadas”, diz o economista Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES. “Vimos isso no governo Dilma, e não deu certo.” Bacha teme a revisão de conquistas do passado como um empecilho para a economia deslanchar: “A revogação do marco do saneamento, a reestatização da Eletrobras e a intervenção do governo na política de preços da Petrobras seriam ações com esse efeito”.
É consenso entre os economistas que o Brasil só realizará sua vocação para ser um protagonista global e eliminar as intoleráveis desigualdades sociais se o nível de investimentos na produção aumentar com vigor. Nesse aspecto, há motivos para preocupação. No segundo trimestre de 2023, a taxa de investimento em relação ao PIB ficou em 17%. O nível vem abaixo dos 20% desde 2014. Estudos mostram que, para o PIB evoluir com consistência, seria preciso que a dose fosse de ao menos 22%, idealmente indo a 25%.
Outro ponto é como o dinheiro é aproveitado. “A proteção de alguns setores trouxe distorções na alocação de capital, colocando recursos onde não faz sentido”, diz Cláudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e presidente da consultoria Inter.B. Em outras palavras: em vez de destinar recursos de acordo com interesses políticos, o governo deveria priorizar áreas que, efetivamente, levam a mudanças no país. Uma dessas áreas é a educação. Nas últimas décadas, a Coreia do Sul nunca esteve entre os campeões de crescimento, mas o avanço persistente do PIB, ano após ano, foi resultado de um programa nacional que buscou qualificar seus jovens. Por aqui, não há nada parecido. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) indica que o Brasil deixa de ganhar 2 pontos percentuais no PIB ao ano em decorrência da educação de baixa qualidade. “No Brasil, os níveis de capital humano são muito limitados”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica do banco Goldman Sachs para a América Latina.
Não são poucos os obstáculos que freiam o desenvolvimento brasileiro. Entre outros bem visíveis estão os baixos níveis de produtividade. Nas últimas quatro décadas, a variável manteve a evolução média de 0,6% ao ano, segundo números da FGV. É uma das taxas mais baixas do mundo. Em 2022, o indicador caiu 4,5% diante do ano anterior, e não há em vista nenhum programa nacional que pretenda reverter esse quadro. “Isso só seria possível com qualificação de mão de obra e, portanto, com investimentos em educação”, diz Mauricio Oreng, superintendente do Banco Santander.
O bom resultado do PIB no segundo trimestre não ofusca o fato de ser incerto o compromisso do governo Lula com a responsabilidade fiscal, apesar dos esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, para mostrar o contrário. A administração atual tem se dedicado a buscar meios, quaisquer que sejam, de elevar a arrecadação, e não tem oferecido contrapartidas de cortes das despesas. Governos gastadores são pródigos em afastar a confiança dos investidores e isso, no médio prazo, poder levar à diminuição de recursos destinados ao país. Em sua coluna nesta edição de VEJA, o economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega trata da espiral de fragilidade do equilíbrio das contas públicas causadora de incertezas que depreciam o câmbio, geram inflação, juros altos e fuga de capital — que reduzem a possibilidade de o PIB crescer.
Outro aspecto alarmante é o que os especialistas chamam de perda do bônus demográfico, situação em que há, proporcionalmente, um maior número de pessoas em idade ativa aptas a trabalhar e produzir do que idosos e crianças. De 1997 a 2017, segundo o IBGE, 77% do crescimento da economia brasileira veio do bônus demográfico e apenas 23% da produtividade. O problema é que, como evidenciou o mais recente Censo, a população vem envelhecendo, o que fará a configuração demográfica perder relevância na progressão do PIB. Isso, portanto, só reforçaria a necessidade de mais investimentos em educação e tecnologia, instrumentos fundamentais para o aumento da produtividade.
Os desafios são imensos, mas há oportunidades também imensas para o país sair da letargia. Na nova era ambiental, as principais delas dizem respeito à sustentabilidade. Como talvez nenhum outro país, o Brasil está bem posicionado nos quesitos de produção de energias renováveis e de alimentos, duas prioridades para o mundo. “O Brasil é claramente um provedor relevante de energia de fontes naturais”, afirma o consultor Bruno Laskowsky. Recentemente, a geração elétrica de base solar se tornou a segunda fonte na matriz de eletricidade brasileira. A terceira fonte é a eólica. Na área de alimentos, o Brasil já concretizou seu potencial: lideramos o cultivo de 34 produtos agrícolas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). E, claro, há a Amazônia, o maior patrimônio de biodiversidade do planeta. Apesar dos obstáculos, o Brasil está pronto para decolar. Não podemos desperdiçar mais essa chance.
Colaborou Larissa Quintino
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858