Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

O impacto do ‘custo Bolsonaro’ no consumo

O governo contava com aumento dos gastos entre brasileiros para acelerar a economia, expectativa demolida pela perda de poder aquisitivo e pela inflação

Por Larissa Quintino Atualizado em 4 jun 2024, 12h49 - Publicado em 12 set 2021, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Distante das tensões políticas, dos ataques às instituições e dos discursos inflamados, o mundo real se impõe. É um universo composto de hábitos corriqueiros, como fazer compras no supermercado ou no shopping center, comer fora de casa, usar um aplicativo de transporte, abastecer o tanque do carro ou ainda buscar momentos de lazer, atividades banais que têm impacto substancial sobre a economia. Infelizmente, esse Brasil real está mais pobre — e poucos acreditavam que isso poderia acontecer. A pandemia provocou uma tragédia sanitária sem precedentes e cobrou um preço altíssimo dos brasileiros, mas, uma vez equacionado o problema da imunização da população, a retomada prometia ser forte. Era o que os números indicavam no começo do ano, mesmo com a pancada da segunda onda da Covid-19.

    Os dados referentes à atividade econômica no país durante o segundo trimestre, divulgados na semana retrasada, entretanto, materializaram uma surpresa desagradável, com uma redução de 0,1% do PIB no período. Já era esperado que a indústria e a agricultura desacelerassem, por causa da falta de matérias-primas, no primeiro caso, e de uma forte seca, no segundo. Mas essas perdas deveriam ser compensadas pelo consumo das famílias, em especial, com o avanço da vacinação e com o aumento da mobilidade das pessoas. Não é o que tem acontecido. Um estudo da consultoria Kantar Worldpanel mostra que o consumo dos brasileiros recuou 6% entre abril e junho deste ano em relação ao mesmo trimestre do ano passado, quando o país ainda estava em estado de choque com a chegada do novo coronavírus.

    ENERGIA CARA - Posto de gasolina: o preço do combustível disparou -
    ENERGIA CARA - Posto de gasolina: o preço do combustível disparou – (Joá Souza/Futura Press/.)

    Mas, então, o que aconteceu? O sentimento atual na população é de perda de poder aquisitivo, com o custo de vida disparando. Isso está claro em alguns dados recém-divulgados. A massa salarial dos brasileiros, que é a soma de todos os recursos oriundos do trabalho, ficou em 215,5 bilhões de reais mensais no segundo trimestre deste ano, uma queda de 1,7% em relação ao mesmo período do ano passado, ápice da pandemia, quando o valor era de 219,2 bilhões de reais. O mais surpreendente é que isso ocorreu ainda que com uma leve diminuição do desemprego. Ou seja, mesmo com mais gente sendo remunerada, o acumulado dos salários pagos a todos os brasileiros caiu.

    Pode até parecer um contrassenso ou uma impossibilidade matemática. Mas esse fenômeno insólito atende por um nome bastante conhecido do brasileiro, e que muitos achavam que tinha ficado no passado: a inflação. O aumento de preços da economia, alimentado pela alta do dólar, dos combustíveis, dos alimentos e da energia, chegou a 9,68% em doze meses e está corroendo o poder de compra das famílias. “O país está gerando empregos com remuneração muito baixa, sobretudo ocupações informais, em um cenário como era visto antes da pandemia. Soma-se a isso essa inflação brutal, e o resultado é a diminuição do poder de compra geral”, explica José Pastore, especialista em relações do trabalho e professor da FEA-USP. Na comparação entre o fim de 2019 e o segundo trimestre deste ano, o recuo na renda média do brasileiro é de 9,4%, segundo um estudo feito pelo economista Marcelo Neri, da FGV Social. O impacto desse fenômeno é ainda maior entre as pessoas mais pobres, que sofreram uma perda de renda de 21,5%, algo que acaba afetando a economia do país como um todo. “Há uma grande mudança de cenário, que é o desemprego associado com a inflação. É natural que, com o aumento dos preços, você prejudique o volume de vendas”, aponta Elen Wedemann, CEO da Kantar Worldpanel. “O bolso do consumidor é um só e ele precisa fazer escolhas.”

    Continua após a publicidade

    arte consumo

    Para pagar as contas do dia a dia, o brasileiro passou a mexer em reservas de poupança, que haviam crescido durante a pandemia devido às medidas restritivas. Em agosto, os saques da caderneta de poupança superaram os depósitos em 5,46 bilhões de reais, de acordo com dados do Banco Central, o primeiro resultado negativo desde abril. Os recursos poupados eram a grande aposta do governo para salvar 2021, já teriam potencial para impulsionar os serviços, o maior setor do PIB e o que mais emprega. “Esse uso das poupanças estimula um crescimento do setor no ano, mas já há tendência de reversão em um futuro próximo”, afirma Carlos Thadeu, economista-chefe da Confederação Nacional de Serviços (CNC). “O aumento de juros para conter a inflação tende a ter efeitos em 2022”, avalia. No próximo dia 22, o Banco Central deve decidir a nova taxa básica de juros, a Selic, e o mercado financeiro aposta em uma nova alta, a quarta consecutiva.

    Tal mudança de cenário afetou até mesmo os ânimos do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vinha comemorando conquistas como o aumento da arrecadação de impostos — em princípio, um bom sinal da retomada da economia. Ele agora admite a pessoas próximas que o ritmo de crescimento já não é mais o que vinha se desenhando e que o clima entre os empresários também foi afetado. Infelizmente para o presidente Jair Bolsonaro, a economia real não responde positivamente a declarações bombásticas. Pelo contrário, elas estimulam a alta do dólar, que impacta a inflação, causando mais perda de renda. O Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas, já prevê nova queda de 0,1% no PIB do terceiro trimestre, o que caracterizaria uma recessão técnica no Brasil. É um desastre que parecia praticamente impossível apenas algumas semanas atrás.

    Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.