Oitava economia do mundo, o Brasil sempre ficou fora do salão quando o assunto era a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o grupo que reúne os países com melhor grau de desenvolvimento do planeta. Nessa posição, viu o México, o Chile e até a pequenina Estônia passar à frente e ingressar na entidade, atualmente com 36 membros. Ao que parece, nossa entrada nesse “clube dos ricos” está prestes a acontecer. Na última quarta-feira, 15, os Estados Unidos cumpriram a promessa de declarar como prioritária a adesão do seu aliado sul-americano e abriram a possibilidade de que o país ascenda a esse seleto time, com sede em Paris. Após a declaração, o governo já trabalha com a hipótese de a admissão ser discutida na próxima reunião da entidade, entre os dias 27 e 29 de maio, em Leipzig, na Alemanha. Se isso ocorrer, a preferência americana pelo Brasil será posta sobre a mesa, mas dependerá da aprovação de todos os 36 membros. Os europeus, 26 ao todo, têm seus favoritos também — Romênia, Bulgária e Croácia — e, em princípio, não torceriam o nariz para o Brasil.
Mas há percalços, pois existem divergências entre os associados quanto ao número de novas admissões que a organização deve receber. Uma vez aceito, o Brasil precisa enfrentar um longo processo de adequação de suas políticas e práticas públicas, que envolvem 26 áreas — de equilíbrio fiscal a saúde pública e saneamento, passando por inovação e sustentabilidade —, para se enquadrar nos padrões exigidos.
O apoio americano é uma conquista de dimensões superlativas não só para o governo de Jair Bolsonaro, mas também para os brasileiros. O presidente abraçou a causa pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em Brasília, espera-se que o processo de adesão e futuramente o selo de sócio da OCDE apaziguem aflições de potenciais investidores no país e contribuam para o aumento da competitividade dos vários setores da economia brasileira e para sua integração mais rápida e profunda às cadeias globais. A curto prazo, a negociação de acesso, por si só, pode alavancar investimentos em projetos de infraestrutura e energia acalentados pela equipe econômica para a retomada do crescimento. Na quinta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou a criação de uma secretaria especial em sua pasta para cuidar do processo.
Do ponto de vista da população em geral, a entrada no clube forçará o governo e as instituições nacionais a se adequar a um padrão que impõe regras sobre um vasto leque de temas — entre eles, transparência e combate à corrupção, políticas educacionais, gestão de contas públicas e até inteligência artificial. “Uma das razões que contribuíram para o nível elevado de renda e as práticas transparentes hoje apresentadas pelos membros da OCDE foi justamente a adoção do arcabouço da organização”, explica o economista Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial. “Nesse sentido, a grande herança para quem entra no grupo são as boas práticas institucionais. No caso do Brasil, um país de renda média, o ingresso na OCDE leva inevitavelmente à escolha do lado em que pretende estar, o dos desenvolvidos ou o dos pobres”, resume Canuto.
Se já estivesse presente na OCDE em 2019, o Brasil seria a sétima maior economia do clube, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália, conforme as estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre produto interno bruto a preços correntes, em dólares. Contudo, estaria na lanterna no quesito PIB per capita, que indica o poder de consumo e de bem-estar da população, com 9 343 dólares anuais por cidadão. O mais alto, de Luxemburgo, alcança 112 846 dólares. Se tivesse ingressado mais cedo, o Brasil poderia ter sido poupado de medidas adotadas durante a gestão de Guido Mantega no Ministério da Fazenda, como a intervenção nos bancos para forçar a redução dos juros, o uso indiscriminado do BNDES para favorecer os “campeões nacionais”, entre os quais a Odebrecht, a JBS e a BRF, e até mesmo as pedaladas fiscais que custaram a Dilma Rousseff a Presidência da República.
No entra e sai de governos desde a retomada da democracia, o acesso do Brasil à OCDE ficou em uma gangorra calibrada pela concepção do Palácio do Planalto sobre como lidar com as demandas dos grandes investidores. No fim dos anos 1990, a gestão de Fernando Henrique Cardoso começou a se mover em direção à organização, e o país aderiu a todos os comitês da entidade e a outros grupos de trabalho. Em 2003, já na administração de Luiz Inácio Lula da Silva, o clima era de oposição tremenda do Itamaraty, que queria manter a margem de manobra do governo em sua estratégia de comércio internacional. “Uma das exigências mais importantes da organização é que não haja suborno a autoridades estrangeiras, prática que deveria estar em vigor há muito tempo. A Lava-Jato mostrou no que isso pode dar”, alerta Canuto.
O projeto foi resgatado por Michel Temer e casou-se com a agenda de Paulo Guedes de liberação da economia e de atração de investimentos de grosso calibre. Em visita a Washington, em março de 2019, o presidente Jair Bolsonaro obteve o apoio de seu colega Donald Trump, uma raposa em negociações privadas que soube impor uma contrapartida pesada — a retirada do Brasil do sistema de preferências para nações em desenvolvimento da Organização Mundial do Comércio (OMC). O gesto americano, considerado bom mas não decisivo, foi festejado pelo governo como resultado de seu alinhamento estratégico e automático com Washington, sobretudo na política externa. Isso porque, em outubro, foi publicado o teor de uma carta de Mike Pompeo, secretário de Estado americano, à OCDE em que declarava apoio formal de seu país ao ingresso da Argentina e da Romênia. Trump escreveu no Twitter que se tratava de “notícia falsa”. Mas a sensação no Brasil foi de que, mais uma vez, o país havia ficado de fora. A desfeita, atribuída pelo Itamaraty a uma “desorganização interna no governo americano”, só foi consertada agora, depois de várias idas e vindas.
Com o processo em andamento, chegará a fase de negociações para a adequação das políticas públicas brasileiras aos padrões da OCDE em 26 áreas. A Colômbia, que deverá se tornar membro em maio, partiu do zero e levou cinco anos para negociar todos os tópicos. Como resultado, o país passou a ser visto com mais confiança por investidores internacionais. O Chile negociou por três anos e foi admitido em 2010. Depois de uma década, é considerado uma das nações mais estáveis da América Latina — em que pesem os protestos e tumultos ocorridos no ano passado.
Sua economia migrou de um movimento de gangorra, em que oscilava entre períodos de crescimento e retração, para um desenvolvimento constante: desde o ingresso, sem nenhum recuo, o produto interno bruto chileno cresceu. No caso de Israel, admitido em 2010, o PIB nominal avançou 50,19%, passando de 233 bilhões de dólares, em 2010, para 353 bilhões de dólares, em 2017. O país acumula, desde 2010, a estabilidade de sua taxa de crescimento, que foi de mais de 4% em 2010 e 2011 e se manteve, nos anos seguintes, em torno de 3%. Para alcançar tais índices, é necessário disposição para mudar. Ou seja: não basta estar no clube. É preciso trabalhar muito para desfrutar esse privilégio.
Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670