O movimento lembra uma montanha-russa. Numa quinta, dia 6 de setembro, o Ibovespa disparou e o dólar caiu com a facada contra Jair Bolsonaro (PSL), líder na corrida presidencial. Passou-se menos de uma semana e o inverso aconteceu: a Bolsa despencou e o dólar subiu. O Datafolha divulgara sua primeira pesquisa após o atentado, mostrando que a rejeição ao deputado havia subido, assim como as intenções de voto em Ciro Gomes (PDT).
Nos dias seguintes, o vaivém continuou. O mercado havia se acalmado com a permanência do candidato do PSL no topo das pesquisas, com o crescimento menos acelerado de Fernando Haddad (PT) no Datafolha de 20 de setembro e com a sinalização de que o petista procuraria um não economista de perfil moderado para seu Ministério da Fazenda, caso eleito. Nesta terça-feira (25), porém, o cenário foi de nova reviravolta após o Ibope mostrar, em levantamento divulgado no dia anterior, Bolsonaro estacionado em 28%, enquanto o candidato de Lula havia pulado de 19% para 22%.
Essa inconsistência é resultado de uma incerteza eleitoral que não se via desde 1989, quando a corrida ao Planalto juntou 22 candidatos. Nomes como Luiz Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf e Ulysses Guimarães foram derrotados nas urnas por um jovem candidato com pinta de outsider, Fernando Collor de Mello.
Para quem trabalha no olho do furacão do mercado aconselhando os investidores, o desafio hoje é administrar a confusão gerada por esse cenário na cabeça de seus clientes. “Eu já tenho sete angioplastias e quatro stents. Queria um mercado mais calmo”, diz o gestor de operações da Coinvalores, Marco Tulli Siqueira, de 48 anos, 31 deles atuando na área.
Responsável por gerenciar as mesas de operações da corretora, ele começou a carreira como mensageiro — como eram chamados os office boys. Formado em processamento de dados e economia, acompanha hoje as movimentações econômicas e políticas das 7h30, quando entra no trabalho, até as 20h, quando a Bolsa já fechou — o pregão se encerra às 17h.
Profissionais como ele têm sido obrigados a manter atenção permanente à agenda, discursos, declarações em debate e posições em pesquisas de intenção de voto, principalmente de Bolsonaro, Haddad, Ciro, Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), os cinco mais bem posicionados na corrida eleitoral. Com base na análise dos cenários, produzem relatórios com recomendações aos clientes. O objetivo é fazê-los lucrar — ou não perder dinheiro.
“São dias bastante trabalhosos por causa das apostas dos investidores. Uma notícia ou uma mudança de lado interferem nessas decisões”, diz Siqueira.
Ele reconhece, porém, haver um lado positivo em meio ao fuzuê eleitoral: a volatilidade gera mais negócios. Para a Bolsa e as corretoras, é o melhor dos mundos: elas ganham em cima das negociações. “O lucro vem do percentual de volume operado. Se der 20 bilhões de reais de volume, é muito melhor para os players envolvidos do que ter um mercado mais calmo que faz 13 milhões de reais de volume e fica linear e estável”, conta.
Existe até um lema que é lembrado em momentos de agitação como esse, conta Siqueira: “Vamos tirar boleta”. Significa: vamos gerar receita. E os valores são altos. Em 2017, a Bovespa movimentou uma média de 7,19 bilhões de reais por dia. Foi o maior volume de sua história, de acordo com dados da consultoria Economatica.
Se as negociações intensas são uma oportunidade de lucros para os investidores, para a conta bancária dos analistas de mercado, o cenário é indiferente. Eles não recebem remuneração variável em cima das recomendações feitas ou sobre os negócios fechados pelos clientes. Atualmente, um assistente de análise em início de carreira ganha cerca de 3.500 reais por mês. Já o salário de um analista júnior varia de 4.500 a 5.500 reais. Eles pertencem à classe média.
Apesar disso, esses profissionais dizem ficar apreensivos junto com os investidores em meio a tanta insegurança. “A gente sofre junto com o cliente na tristeza. Mas na alegria, só ele que gasta”, brinca Siqueira.
Discurso reformista
Os analistas não gostam de comentar candidaturas individuais, mas concordam que a “entidade” mercado tem, sim, seu nome favorito. É o do tucano Geraldo Alckmin, por seu discurso reformista e promessas de cortes de gastos. Jair Bolsonaro, embora ainda cause dúvidas, também tem agradado parte dos investidores devido à indicação do economista Paulo Guedes, adepto do liberalismo, para ser seu ministro da Fazenda, caso seja eleito.
Isso explica por que a Bolsa cai quando o Ibope mostra, por exemplo, uma vitória de Haddad sobre Bolsonaro no segundo turno — como ocorreu nas pesquisas de 24 e 26 de setembro. O mercado enxerga um futuro mais incerto com o petista no poder do que com um candidato que tem Guedes como seu “Posto Ipiranga”. Em meio às dúvidas, os investidores tiram seu dinheiro da Bolsa e colocam em renda fixa ou em outros mercados, o que valoriza o dólar. O valor das ações cai.
“Muitas reformas precisam ser feitas no Brasil, e quando um candidato reformista ou mais reformista (entre eles) melhora nas pesquisas, os mercados reagem positivamente. Já quando um candidato mais populista ou menos reformista sobe, os mercados reagem negativamente”, explica Alvaro Bandeira, 68 anos, sócio e economista-chefe do Modalmais.
Para os investidores mais conservadores e precavidos, o conselho, em meio à baderna eleitoral, é justamente colocar o dinheiro em operações de longo prazo e baixo risco, como a renda fixa, representados pelos títulos do Tesouro Direito ou o CDB, por exemplo. Para quem gosta de se arriscar — e se sentir como num cassino — existem as operações de alta velocidade ou frequência, em que compram e vendem num curto espaço de tempo.
Tecnologia
Em meio a tantas incertezas e possibilidades de mudanças bruscas ao longo de um único dia, analistas recorrem a novas plataformas para orientar os clientes em tempo real. Igor Caixeta, 22 anos, analista da Toro Investimentos há dois anos e meio, acompanha o mercado das 9h às 17h. Das 10h às 13h, faz uma transmissão em vídeo ao vivo para tirar dúvidas dos investidores — elas acontecem de segunda à sexta, pelo YouTube.
Com uma tela do computador aberta em gráficos, tabelas e um índice de notícias sobre economia, comenta o movimento do dólar e das ações causado, muitas vezes, pelas pesquisas, e o desempenho de algumas empresas específicas, a pedido dos clientes que interagem com ele por um chat.
“Houve um longo movimento de alta, e um sinal de reversão entre setembro e novembro do ano passado, mas ainda não há uma tendência definida”, diz numa das transmissões que a reportagem acompanhou, sobre os papéis do Magazine Luiza, uma das maiores redes varejistas do país e que teve altas acumuladas nas ações da Bolsa em 2016 e 2017. Com o cursor do mouse sobre o gráfico, que mostrava queda no valor das ações, traça linhas indicando movimentos possíveis no futuro, e, no pico de uma delas, faz uma marcação: “Aqui você pode pensar em vender (as ações)”. Após levantar hipóteses, aconselha o cliente: “O certo é esperar um movimento de virada de tendência”. Ou seja, de alta. O que não tem sido observado nesse cenário confuso das eleições.
Ele diz já estar preparado, por exemplo, para os dias em que as pesquisas de opinião da CNT (Confederação Nacional do Transporte) são divulgadas. Dependendo do candidato que sobe (ou desce), os analistas já têm ideia do que vem pela frente. “Eu sei que a pesquisa sai por volta das 11h, o mercado está aberto, as negociações estão acontecendo. O que muda nesses dias é que já tenho que entender qual é o candidato que o mercado considera um nome bom. Têm apoio maior os candidatos liberais (que defendem a redução do Estado e menor interferência do governo na economia), que vão aprovar mudanças, que vão destravar alguns pontos da economia”, afirma.
Caixeta diz gostar mais do cenário de volatilidade. “Para o meu modelo de operação, em que os nossos clientes pegam oportunidades, a gente precisa de amplitude, e isso vem justamente da incerteza do cenário eleitoral”, conta.
Para orientar os clientes no caminho do lucro em meio ao caos eleitoral, Rafael Panonko, de 37 anos, chefe de análise da Toro Investimentos, conta que a corretora onde trabalha em Belo Horizonte possui, atualmente, uma equipe de doze analistas, sendo um deles de política. “É indiscutível que a política está inserida no mercado financeiro. A gente acompanha em tempo real o noticiário de mercado e de política, porque isso acaba impactando na volatilidade. A gente discute as opiniões e toma decisões para recomendações de investimentos”, conta ele, que trabalha das 8h às 19h na frente de cinco monitores ligados em notícias e indicadores econômicos.
“Acompanho através de uma plataforma (de informações) exclusiva para o mercado. Tenho um terminal, aplico um filtro por notícias do Brasil e do exterior, e todos os veículos de notícias entram ali. A gente não fica na internet caçando notícias”, conta Panonko.
Investimentos estrangeiros
Alvaro Bandeira, do Moldamais, concorda que a volatilidade pode ser positiva para a Bolsa e para as corretoras, mas lembra que, nesses casos, existe fuga de recursos de investidores estrangeiros. O que não é pouco. Igor Caixeta lembra que, por ser o Brasil um país emergente, “pouco mais de 50% do volume negociado aqui é de investidor estrangeiro”. Ou seja, quando se fala na “entidade” mercado, a sua face é o capital internacional.
Essa fuga acarreta outro efeito que surge frequentemente quando as pesquisas eleitorais são divulgadas: a alta do dólar. “O investidor internacional muitas vezes opta por desmanchar posição no Brasil (desfazer investimentos por aqui) e alocar seus ativos em outros mercados emergentes ou até mesmo nos EUA, no título público americano. Esse efeito provoca valorização do dólar”, explica Rafael Panonko, da Toro.
Em maio deste ano, em meio à greve dos caminhoneiros e a mudanças na direção da Petrobras, um montante de 8,43 bilhões de reais deixou o país, por causa do aumento do risco e das incertezas sobre o futuro político. Foi a maior fuga de capitais no Brasil desde 2004.
Segundo turno
O analista chefe da Planner, Mario Roberto Mariante, de 63 anos, discorda, em parte, dos colegas. Para ele, o resultado de uma única pesquisa no primeiro turno não tem tanto efeito sobre as decisões tomadas pelos analistas. “Obviamente a gente acompanha os debates, acompanha o que estão falando, mas não é um fator de decisão para a gente mudar um trabalho. Nossa visão de investimento é baseada em médio e longo prazo”, afirma.
Após a definição de um cenário mais consistente, o grau de incerteza se reduziria. “Quem é quem a gente só vai ver no segundo turno. O que precisa ser feito todo mundo sabe, o problema é saber se quem vai entrar (na Presidência) vai fazer (as reformas). Depois que passarem dois candidatos, a gente faz uma avaliação mais próxima dos programas”, diz.
Esse dia está próximo. O primeiro turno da eleição deste ano acontece em 7 de outubro e tudo indica que haverá um segundo, no dia 28. Dali em diante, a rotina dos analistas de mercado talvez se acalme — se o noticiário ajudar.