No século XXI, nenhum outro dispositivo provocou impacto tão profundo na indústria tecnológica e na vida das pessoas quanto o iPhone. Ao apresentar o aparelho, em 9 janeiro de 2007, Steve Jobs foi premonitório. “De vez em quando, surge um produto revolucionário que muda tudo”, disse o lendário fundador da Apple. De fato, o dispositivo transformou quase tudo — de transações financeiras à forma como as pessoas se relacionam. Uma década e meia depois de seu lançamento, o iPhone está agora no centro de uma disputa jurídica que envolve, de um lado, a colossal empresa da maçã e, do outro, a debilitada companhia brasileira de tecnologia Gradiente. Mais do que um enrosco para os tribunais, o caso escancara o nó burocrático que emperra os negócios no Brasil.
Fundada pelo empresário Eugenio Staub, a Gradiente já viveu dias de glória, sobretudo nos anos 80, quando era referência na produção de telefones e televisores. Mais tarde, porém, passaria a enfrentar dificuldades. Em 2000, em meio a grave crise financeira, fez uma investida que, na época, não chamou atenção. A empresa pediu ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) o registro da marca Iphone. Sua ideia era lançar um modelo de celular, mas o projeto jamais seguiria adiante. E por uma razão: a demora excessiva do órgão para ceder à Gradiente o uso definitivo do nome Iphone.
Por azar do destino, a Gradiente acabaria atropelada pela Apple, que em 2007 lançaria o seu revolucionário produto. Em 2008, o INPI concedeu o registro da marca à companhia brasileira, mas aí já era tarde demais. Em 2012, as duas empresas passaram a engalfinhar-se na Justiça, e até agora o caso arrasta-se nos tribunais brasileiros. Atualmente, o destino da marca iPhone está nas mãos do Supremo Tribunal Federal, mas o julgamento foi suspenso após o ministro Alexandre de Moraes pedir vista do processo. Até agora, quatro ministros manifestaram seus votos, com empate de dois a dois.
O INPI garante estar se modernizando para dar vazão mais célere aos pedidos de propriedade industrial. Presidente da autarquia entre 2019 e 2022, Claudio Vilar Furtado afirma que assumiu o órgão com uma fila de espera de 150 000 pedidos de patentes, mas assegura que resolveu 92% dos casos. “Só não foi mais do que isso porque muitas das patentes tinham referenciais antigos”, afirma. Seja como for, a verdade é que o Brasil está atrasado nessa corrida. Nos Estados Unidos, o tempo médio para o registro de uma marca é de 24 meses. Na China, dezoito meses.
A Gradiente espera a resposta dos tribunais para ganhar alguma sobrevida, quem sabe na forma de compensação financeira. “A empresa é um desses casos de marcas que foram muito bem em um ciclo de economia fechada e que sofreram depois da abertura da economia brasileira”, diz o consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail. “Algumas marcas que eram joias brasileiras acabaram incorporadas por empresas internacionais, como é o caso da Walita e da Arno. A Gradiente ficou independente e, com a revolução no mercado de telefonia, acabou perdendo espaço.” Na direção oposta, a Apple decolou, tornando-se cultuada no mundo inteiro. Ainda não há vencedor no embate jurídico entre as empresas, mas é certo que o iPhone continuará a escrever sua extraordinária história pelas mãos da Apple.
Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846