A crise de 2008 ainda está fresca na memória de muita gente. Naquela ocasião, o estouro da bolha das hipotecas imobiliárias americanas provocou uma quebradeira generalizada de bancos, gerou prejuízos globais estimados em 2 trilhões de dólares e fez ruir a confiança na economia mais poderosa do planeta. Dezesseis anos depois, um novo sinal de alerta surge no mercado de imóveis dos Estados Unidos, mas desta vez protagonizado por prédios corporativos. Dados recentes mostram que cerca de 20% das salas comerciais do país estão vazias. Trata-se da maior vacância em 33 anos, e não há indicativo de que o cenário mudará tão cedo. Para se ter ideia do tamanho do problema, se os escritórios desocupados nos Estados Unidos fossem reunidos em um único edifício, eles dariam origem a um imaginário arranha-céu com 48 000 andares — é como se 300 prédios iguais ao Burj Khalifa, de Dubai, o mais alto do mundo, estivessem às moscas.
A pandemia foi o gatilho para o aumento dos níveis de vacância. Desde 2020, o modelo de trabalho remoto se tornou a regra em grande parte do mundo corporativo e, por consequência, as empresas passaram a depender menos de seus espaços físicos. Com os bons resultados trazidos pelo sistema de home office, muitas delas decidiram reduzir a estrutura de seus escritórios, ou até mesmo abandoná-los. Em 2021, a Meta, dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, anunciou o esvaziamento de 40 000 metros quadrados em um prédio de São Francisco. Desde então, esse espaço jamais foi reocupado. A reabertura no pós-pandemia não foi suficiente para a retomada do sistema de trabalho antigo — a regra, na maioria das empresas, é o modelo híbrido, que combina o expediente presencial com alguns dias longe do escritório. Em uma definição precisa, Jerome Powell, presidente do banco central americano, o Fed, descreveu a nova realidade como uma “mudança secular na economia”.
Fatores ligados ao contexto econômico também contribuíram para o fenômeno. Desde março de 2022, o Fed passou a aumentar as taxas de juros nos Estados Unidos como forma de frear o ímpeto inflacionário. Nesse contexto, a alta rentabilidade dos títulos públicos reduziu a atratividade dos papéis de dívida dos imóveis para empresas, o que ajudou a desvalorizar as propriedades e tornou mais difícil para os proprietários renegociar seus passivos. Em Los Angeles, o arranha-céu Aon Center foi vendido em 2023 por 148 milhões de dólares, uma depreciação extraordinária de 45% em relação ao preço de compra, em 2014. Não à toa, 44% dos empréstimos relacionados a lajes corporativas estão com o patrimônio líquido negativo. Ou seja, a dívida agora é maior do que o valor do próprio imóvel.
O problema aflige especialmente os imóveis de menor padrão. “Você tem inquilinos grandes e pequenos reduzindo substancialmente seus espaços de escritório, mas isso se aplica principalmente a escritórios de classes B e C”, disse a VEJA Randall Loker, sócio da Paladin Realty Partners, uma das maiores gestoras de fundos de investimento imobiliário dos Estados Unidos. A queda no valor dos escritórios está ameaçando a saúde financeira de bancos regionais, que acumulam 560 bilhões de dólares em dívidas imobiliárias com vencimento até 2025. De acordo com um relatório do Departamento de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos, até 300 bancos locais correrão risco de insolvência caso a situação se agrave.
Na crise de 2008, ao contrário de agora, foram os grandes bancos — como Lehman Brothers e Bear Stearns — que sofreram mais. “Outra diferença grande é o aspecto social, porque a preocupação com o mercado imobiliário corporativo não está diretamente vinculada à pessoa física neste primeiro momento”, afirma William Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue, especializada no mercado americano. “Em 2008, milhares de famílias perderam suas casas, ou seja, o impacto foi muito visível.”
As altas taxas de vacância de imóveis corporativos não estão restritas ao mercado americano. No centro de Londres, na Inglaterra, a taxa de desocupação está em torno de 10%, o dobro da média histórica, segundo levantamento da consultoria JLL. Uma das saídas planejadas pelos donos dos imóveis é convertê-los em prédios residenciais, mas o custo para esse tipo de operação é tão elevado quanto incerto. Enquanto uma solução não for encontrada, algumas das grandes cidades do mundo estarão cheias de prédios vazios.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886