O maior risco de Haddad com o novo arcabouço fiscal
Sem responsabilidade fiscal, nova regra pode virar uma bola de neve de gastos públicos, alerta economista
Aprovado com ampla folga na Câmara, o texto do novo arcabouço fiscal pode ser a última grande vitória do governo Lula na pauta econômica, ao menos no curto prazo. Tudo isso porque o Legislativo recebeu com muitas ressalvas a visita com pompas do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, ao Planalto. O gesto de Lula ao autocrata venezuelano se soma aos gestos que o presidente da Câmara, Arthur Lira, reclama de não receber.
Para além da articulação política, que deve dificultar a vida do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o mercado faz ressalvas com o texto final. A preocupação com o arcabouço é que ele ficou mais “pró-cíclico” do que se pensava inicialmente, ou seja, quanto mais o PIB cresce mais crescem as receitas e, portanto, será maior o espaço para o governo gastar. Por outro lado, em momentos de crise, a arrecadação cai e o governo vai sofrer com a tentação de não diminuir os gastos no mesmo ritmo. Sem responsabilidade, isso pode virar uma bola de neve. “Política fiscal expansionista em economia que já está crescendo gera pressão inflacionária, o que dificulta a tarefa do Banco Central”, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da corretora Genial Investimentos.
Ainda que a regra tenha detalhes que merecem justas críticas, a sua aprovação é inegavelmente vista como positiva. E, para economistas de pendor mais realista que conhecem de perto as dificuldades de se agradar ao mesmo tempo a classe política e o mercado financeiro, acabou sendo um bom marco nos limites do possível. “Haddad faz um trabalho magistral”, defende reservadamente um executivo graduado de um grande banco brasileiro. “Primeiro, ele arrumou a casa, com um arcabouço adequado, agora ele começou a falar sobre trazer investimentos estrangeiros. É uma transição gradual do discurso.”
A próxima guerra de Haddad no Congresso, que já não era nada simples sem ruídos políticos, é a reforma tributária. “A oposição votou a favor do arcabouço porque quer um regime fiscal mais sustentável. Reforma tributária é outra conversa”, alerta Marcio Camargo. “Há uma questão estrutural muito importante, com resistência grande nos estados e municípios. A negociação nem começou. Ao contrário do que o governo tem falado, não acho que vai ser nada simples”, completa.