O governo de Jair Bolsonaro (PL) lançou diversos programas sociais e concedeu uma série de benefícios nos últimos meses, por causa da disputa a presidência contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na tentativa de capturar o eleitorado de baixa renda, principal base aliada do petista. Mas as benesses concedidas podem ter um efeito rebote e se transformar em uma grande dor de cabeça para o próximo chefe do executivo, quiçá para o próprio Bolsonaro se reeleito.
Como mostra reportagem de VEJA, desde o início da campanha do segundo turno, em 3 de outubro, o governo anunciou sete medidas envolvendo benefícios sociais. Em 18 dias corridos de campanha, isso significa um anúncio a cada dois ou três dias. Na esteira desses benefícios estão o empréstimo consignado do Auxílio Brasil e o FGTS futuro. Este último, aprovado nesta semana, passa a considerar no cálculo o recebimento futuro do funcionário para o financiamento do imóvel no programa Casa Verde e Amarela. A medida funciona como um consignado do FGTS. Em vez do dinheiro ser depositado no fundo, o benefício é descontado das parcelas do financiamento.
Embora momentaneamente as medidas gerem maior poder aquisitivo para a população de baixa renda, elas têm potencial para aumentar o endividamento das famílias e desfigurar a função do benefício, que é de ampliar a renda. No caso do FGTS futuro, o cidadão assume uma dívida sem a certeza de que terá seu emprego mantido até a quitação completa do financiamento. “O cidadão assume uma dívida contando com renda futura que pode não se materializar. Se for demitido ou tiver redução salarial, o FGTS será reduzido proporcionalmente, e o orçamento ficará mais apertado”, diz Marcia Dessen, planejadora financeira e diretora da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar).
Os riscos também são altos para o crédito consignado, que teve aumento da margem da renda que pode ser comprometida em até 40% para os beneficiários do Auxílio Brasil. Embora o crédito consignado seja uma linha mais barata, aumentar esse limite em meio a um cenário de alta dos preços e corrosão da renda pode comprometer ainda mais a saúde financeira das famílias. “Quem compromete 40% dos 400 reais – valor usado como base de cálculo que está contemplado para o próximo ano – terá o benefício reduzido em 160 reais pelos próximo dois anos”, calcula Dessen. “Com esse empréstimo, a família passa a receber então 240 reais. Se a renda já estava apertada, ficará mais ainda com a renda maior”, diz.
Para os especialistas entrevistados por VEJA, a concessão de crédito pode fazer as pessoas se endividarem no momento errado – de alta de juros. Sem a confirmação dos 200 reais adicionais para a continuidade do benefício no valor atual de 600 reais, a tomada de crédito é vista como inoportuna pelos economistas. A incerteza quanto ao valor do Auxílio Brasil no longo prazo, junto ao aumento da tomada de crédito, pode comprometer ainda mais a renda das famílias. Ricardo Macedo, economista e professor da Facha, explica que o empréstimo atrelado ao Auxílio não é cancelado em caso de perda do benefício ou redução do valor. Como a dívida foi contraída e essa população apresenta grande volatilidade na renda, por representar a maior parcela no grupo de desempregados ou em empregos informais, o risco de endividamento é alto. “É tentador, mas o momento não é propício para financiamentos em qualquer uma dessas modalidades”, diz.
Além disso, os economistas alertam sobre as incertezas para a recuperação da economia no próximo ano. As projeções de crescimento econômico indicam um ritmo mais lento, com um PIB de apenas 0,5%. “Caso o desemprego volte a aumentar e a economia não aqueça como esperado, isso pode aumentar sim o endividamento dessas famílias”, diz Ramon Coser, especialista da Valor Investimentos.
As medidas são lançadas em um momento em que o número de endividados cresce. A parcela de endividados atingiu um novo recorde, alcançando 79,3% do total de lares brasileiros em setembro, totalizando mais de 60 milhões de pessoas endividadas ou inadimplentes no país, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A situação, segundo Alexsandro Nishimura, economista e sócio da BRA, pode ser reflexo de uma série de fatores, como alta dos juros e queda do poder aquisitivo devido à inflação. “As medidas recentes podem contribuir para novo aumento do endividamento, principalmente porque são voltadas para um público mais pressionado, que é o de menor renda. Neste caso, pode ajudar a ampliar uma outra estatística, que é a de inadimplência, que ocorre quando o indivíduo deixa de pagar ou tem alguma parcela da dívida em atraso”, diz.