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O aporte do BNDES na Embraer coloca a política econômica na berlinda

A instituição estrutura a compra de até 15,6% da empresa depois do fracasso do negócio com a Boeing

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 14h43 - Publicado em 4 Maio 2020, 17h59
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  • Como diria algum especialista do noticiário esportivo ao especular sobre uma grande contratação de um clube de futebol: “só falta assinar”. Porém, até que todas as assinaturas estejam no papel e o documento no cartório, o jogo pode virar. É assim que está a situação entre Embraer e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. A companhia aérea quer emitir 1 bilhão de reais em debêntures conversíveis em ações que estão para que o banco público as compre. Assim, o BNDES resgataria a empresa após o malfadado negócio com a Boeing e, num futuro próximo, poderia aumentar sua participação na fabricante de aviões de 5,4% para 21%, tornando-se seu maior acionista. Aparentemente, é um jogo de ganha-ganha. A Embraer garante um parceiro — o governo — para sustentar suas operações após a desistência da Boeing de comprá-la, e o BNDES disponibilizaria uma parte ínfima de seu caixa para salvar uma das empresas mais importantes do país. A operacionalização da injeção de dinheiro está sendo estuda a toque de caixa, já que o BNDES não esperava ter que “salvar” a Embraer. Mas as aparências enganam. O que está em curso pode se transformar na completa reversão da política definida para o BNDES desde que Jair Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto.

    O BNDES foi defenestrado pelo presidente durante sua campanha e também no seu primeiro ano de governo. Devido a insistência do ex-capitão em “desvendar” a caixa preta do banco, o presidente da instituição, Gustavo Montezano, fez o que pode para “expor” os negócios espúrios fechados em gestões anteriores. Curiosamente, um dos maiores anúncios feitos foi justamente a venda de jatinhos da Embraer para empresários brasileiros. O governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck foram algumas das personalidades expostas pela abertura da caixa preta. Ilicitude, no entanto, não foi apresentada nenhuma. Este ponto é importante relembrar, pois, caso se concretize o aporte de 1 bilhão de reais, será praticamente impossível impedir que o BNDES volte a fazer o financiamento de aeronaves da Embraer.

    Segundo um diretor do BNDES, a área de mercado de capitais do banco já estrutura essa injeção financeira. Isso será feito por meio da emissão de debêntures que terão juros baixinhos. Assim, outros investidores — apesar do desestímulo dos juros reduzidos — poderiam até entrar no negócio. Mas o importante é que o programa tem prazo de validade. E, no limite, uma renegociação futura pode definir que o BNDES, ou outros investidores, troque essas notas promissórias por ações da companhia. Na presidência do BNDES, tudo é feito de modo que não pareça uma mudança de direção da política econômica, pois essa mesma engenharia financeira foi utilizada para impulsionar o frigorífico JBS — o maior expoente da política de campeões nacionais do passado. Deu no que deu. “É um pedágio moral que precisam pagar para fazer algo proibido”, diz um diretor do banco público enfatizando o “proibido”.

    Contudo, não é só a área de mercado de capitais que se movimenta. A de governo já ouviu o alarme soar e a de estruturação de projetos também. VEJA apurou que os diretores já se mexem para quando começarem a chegar as pressões para que o banco financie as vendas. Segundo uma fonte ligada à presidência do banco, depois da desistência da Boeing, a empresa entrou no rol de companhias que necessitarão de apoio dos bancos, para garantir o financiamento de aviões. “A empresa emite títulos de dívida e qualquer uma das instituições pode comprá-los”, disse. É algo extremamente lógico: sendo o banco o maior acionista de uma companhia, é do seu interesse que ela prospere. E se este banco é exatamente a mesma instituição financeira capaz de financiar as vendas e impulsionar a empresa, então, que assim seja. Seria difícil argumentar o contrário, afinal, o banco estaria deixando de ganhar com as operações.

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    Para colocar as operações de pé, a diretoria do BNDES precisará exumar o cadáver do Fundo Garantidor a Exportação (FGE) — o instrumento utilizado pelos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff para sustentar as vendas de serviços pelas empreiteiras pegas pela Operação Lava Jato. A Embraer era uma das empresas que se valia do expediente para conseguir vender as aeronaves para outros países, mas que nunca se viu enrolada em qualquer investigação sobre o uso do FGE. O uso do fundo foi o que permitiu que a companhia se transformasse num colosso com valor de mercado de 22 bilhões de reais em 2015. Com a saída de Dilma em 2016, a política de exportação mudou, embora a Embraer ainda seja a maior vendedora de itens manufaturados do país. Agora, o BNDES, prestes a renovar os votos de fidelidade à Embraer, terá de fazer uso novamente do sistema.

    A maior preocupação dentro da instituição é que a mudança de paradigma reflita no mercado de forma que empresas se sintam seguras para pressionar o banco. Desde o início da crise do novo coronavírus, o BNDES estabeleceu que a política para sustentar a economia se daria por concessão de crédito apenas para micros, pequenas e médias empresas. As grandes ficaram de fora do pacote de ajuda do banco. Contudo, os maiores devedores são, na prática, os controladores de boa parte dos ativos do banco. Uma pressão por parte das gigantes companhias que se regozijaram por anos com os juros subsidiados pode colocar a atual direção contra a parede. Segmentos ligados ao agronegócio e a infraestrutura já bateram à porta do banco para aumentar linhas de crédito e renegociar débitos passados. A arma que eles têm: deixar de pagar com a justificativa de que a pandemia limpou o caixa das companhias. Com um cenário de queda de 3,8% do PIB para este ano, será difícil, senão impossível, dizer não a essas empresas.

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