O isolamento forçado e a universalização do home office durante a pandemia aceleraram dois movimentos opostos que já vinham se esboçando havia algum tempo. Um é ir embora das grandes cidades, em busca de um lugar maior, mais tranquilo e mais seguro para morar. Outro é fincar os pés na metrópole e aproveitar seu perene estado de ebulição na cultura, no entretenimento e nos negócios, só que de uma forma mais humana, comunitária e sustentável. No ultra-aquecido mercado imobiliário que renasce após um ano de estagnação, essa segunda tendência tem se traduzido em vários lançamentos de um novo tipo de moradia, pequena, prática, perto de tudo e simpática ao meio ambiente — condições que os jovens de hoje mais prezam. O nicho dos apartamentos compactos, entre 20 e 50 metros quadrados em média, representa quase uma em cada cinco unidades postas à venda no país nos últimos meses. Em São Paulo, 75% dos prédios residenciais lançados de janeiro de 2020 a agosto deste ano, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi), são estúdios, lofts e quarto e sala. “É tendência mundial que vai ao encontro das aspirações das novas gerações de menos consumo e mais mobilidade”, diz o sociólogo Dario Caldas.
O modelo não tem nada a ver com as antigas e baratas quitinetes, onde famílias inteiras se espremiam. Os lançamentos de agora têm regras mais rígidas e limitam, em geral, a ocupação das unidades a uma ou duas pessoas — a maioria estudantes, jovens profissionais e recém-casados. Faz parte do conceito erguer os edifícios em áreas populosas bem servidas de infraestrutura, para não sobrecarregar os cofres municipais com novas instalações. E eles se localizam sempre a curta distância a pé de uma estação de metrô, para economizar tempo nos deslocamentos e reduzir o número de carros — e a poluição — nas ruas. A parca metragem dos apartamentos é contrabalançada pela oferta de serviços para os condôminos, como wi-fi nas áreas comuns, espaço de coworking, lavanderia, máquinas de venda de refeições e mercadinhos exclusivos. “Tudo é pensado para tornar a vida mais fácil e inteligente. Temos carros, bikes e até hortas compartilhadas”, diz Ariel Frankel, CEO da Vitacon, incorporadora pioneira no ramo.
Divididos em muitos andares e apartamentos, esses prédios têm condomínio módico, aluguel isento de fiador e sem prazo mínimo de contrato e possibilidade de fazer tudo de casa, por aplicativo. Muitos vêm decorados, com eletrodomésticos e utensílios. Essas vantagens atraíram a secretária-executiva Jessica dos Santos, 30 anos, que deixou a casa da mãe em Jundiaí, na Grande São Paulo, e agora vive em um estúdio do Condomínio Kasa, no bairro da Vila Olímpia, na capital. Ela fez amigos ali, frequenta a área pet do edifício com seu cãozinho e reduziu para quinze minutos as quatro horas diárias no trajeto do trabalho. “Morar aqui também me fez perceber que comprava mais do que precisava. Tinha 150 pares de sapato e hoje me viro com dez”, diz Jessica. Funcionário de uma multinacional, Julio Bastos, 33 anos, também optou por trocar as comodidades de um amplo apartamento por um loft no mesmo bairro, no prédio VN Quatá. “É a moradia do futuro. Além de reduzir os gastos com energia e faxineira, estou do lado do trabalho e tenho mais tempo para malhar”, comemora.
Mudanças nas leis urbanísticas contribuíram para impulsionar o nicho dos imóveis pequenos e práticos. Em São Paulo, o Plano Diretor criou eixos nos quais é permitido erguer edifícios até quatro vezes mais altos do que o padrão. Outros incentivos são a extinção da exigência de uma vaga de garagem por unidade e o tamanho mínimo ainda mais reduzido — a partir de 18 metros quadrados em São Paulo e 25 no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, construtoras que ocupem o Centro podem receber em contrapartida autorização para erguer mais andares em outros bairros. O filão tem animado nomes consagrados da arquitetura, como o trio Miguel Pinto Guimarães, Sérgio Conde Caldas e João Machado — o escritório deles, Opy, junto com a construtora Concal, vai lançar oito prédios no Rio, entre São Cristóvão, Centro e Zona Sul, todos a menos de 500 metros do metrô, por preços a partir de 229 000 reais. “Não é porque é pequeno que tem de ser feio e com design ruim. São apartamentos bem pensados, com padrão de arquitetura igual ao que oferecemos aos demais clientes”, destaca Guimarães.
Os novos lançamentos têm semelhança com o conceito mais radical da “cidade de quinze minutos”, quadriláteros com trânsito restrito e ruas exclusivas para pedestres, presentes em Paris, Barcelona, Melbourne, Sydney e outras metrópoles. “A expansão das cidades para áreas sem infraestrutura que têm o carro como pilar não faz mais nenhum sentido”, afirma Sérgio Magalhães, professor de pós-graduação em urbanismo da UFRJ. Novos tempos, novos hábitos, novo lar doce lar.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763