O pacote de ajuda que está sendo discutido entre o governo federal e as companhias aéreas deve aliviar a crise e o alto endividamento que o setor passa desde os choques que sofreu durante a pandemia, em 2020. É o que defende a presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, que têm liderado as discussões junto ao ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e outros representantes do governo.
“As empresas precisam recuperar caixa para que possam fazer financiamentos e a manutenção de suas aeronaves, por exemplo”, disse Monteiro, em entrevista a VEJA.
Entre as propostas que estão em discussão, está a criação de um fundo de crédito ao setor, capitaneado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que, de acordo com o ministro, pode chegar a 6 bilhões de reais. Políticas para suavizar as altas do querosene de aviação, fabricado e vendido pela Petrobras no país, também são outro pleito do setor e que estão na mesa de discussões.
As reuniões em Brasília acontecem desde o ano passado, mas se intensificaram nas últimas semanas, depois que a Gol entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. “Ninguém está pedindo dinheiro de graça, não é nada a fundo perdido. Tudo o que as empresas receberem vai ser pago de volta aos cofres públicos”, afirmou a presidente da Abear. Veja a entrevista completa a seguir.
A Gol não é a primeira do setor a passar por um processo de reestruturação de dívida. Latam e Azul são outras que também fizeram renegociações recentes. O que aconteceu com o setor para estar passando por tantas dificuldades? A aviação foi, sem dúvida, o setor mais duramente atingido pela pandemia em 2020. As atividades foram completamente interrompidas, os aviões ficaram parados nos pátios dos aeroportos. De acordo com a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, em inglês), 64 companhias no mundo não voltaram a operar depois, porque faliram. E as companhias brasileiras conseguiram superar esse desafio com esforço e competência, porque não houve nenhum investimento do governo para socorre-las.
Algum aporte do governo na pandemia teria ajudado? O Brasil foi diferente do mundo todo. Os Estados Unidos, por exemplo, colocaram capital direto nas companhias. Em Portugal, o governo adquiriu parte da TAP e virou acionista. Nós não tivemos isso. O resultado é que o prejuízo acumulado das companhias chegou a 45 bilhões de reais de 2016 até 2023. Foram resultados negativos que foram se acumulando.
O setor está tendo diversas reuniões com o governo, em meio à escalada no preço das passagens e às dificuldades da Gol. O que está sendo discutido? São dois braços que estão em discussão. O primeiro e mais urgente é o acesso a crédito. A primeira coisa que as empresas precisam é recuperar caixa para que possam fazer financiamentos e a manutenção de suas aeronaves, por exemplo. Em paralelo a isso, há também uma agenda de competividade, que envolve os custos e passa pelo tema dos combustíveis. Não há muito o que detalhar mais porque elas ainda estão em discussão.
Quais têm sido as pressões de custos, e por que precisam de apoio nessa frente? Cerca de 60% do custo de uma companhia aérea no Brasil é dolarizado. Eles incluem os combustíveis, o leasing de aeronaves [arrendamentos] e a manutenção, já que as peças e motores também são em dólar. No caso dos combustíveis, o Brasil produz 90% do que consome. A Petrobras tem muita eficiência nisso, então por que o nosso querosene de aviação (QAV) tem que ser mais caro do que o dos Estados Unidos? O QAV e o diesel têm processos de produção muito semelhantes nas refinarias. Mas, enquanto o nosso diesel é cerca de 5% mais caro do que o dos Estados Unidos, o QAV é 17% mais cara. Por que essa distorção?
Mexer no preço do combustível pode envolver mexer na política de preços da Petrobras, o que é, entretanto, um conflito antigo e bastante polêmico. Como o problema do preço poderia ser equacionado? Nosso desafio é encontrar mecanismos em que a Petrobras mantenha e preserve seus ativos e seus interesses, ao mesmo tempo em que possamos dialogar e entender por que o nosso combustível de aviação é tão mais caro que os outros.
O preço das passagens subiu muito nos últimos anos e, em 2022 e 2023, estiveram em um dos maiores níveis da história. Por que subiram tanto, e o que precisa para que baixem? O preço da passagem aérea foi pressionado no mundo todo pelo aumento dos custos. O petróleo subiu no mundo inteiro. Nos Estados Unidos e na Europa, os preços das passagens também subiram na ordem de 20% a 30%. Só que, de 2019 para 2022, o aumento no preço da querosene de aviação aqui no Brasil foi de 97%, enquanto as passagens subiram 14%. Só essa comparação já dá uma ideia do impacto de custos que as companhias aéreas tiveram.
Além de formas de suavizar os preços do combustível, que podem passar por redução de imposto, o governo tem falado também na possibilidade de criar um fundo de financiamento para as companhias aéreas. Isto em um momento em que ele está sem recursos e é cobrado por cortar gastos. Por que, então, o governo deveria fazer aportes no setor? Ninguém está pedindo dinheiro de graça, não é nada a fundo perdido. Tudo o que as empresas receberem vai ser pago de volta aos cofres públicos. Entendemos que é um setor estruturado, que tem capacidade de fazer investimentos que rapidamente retornam em impactos para a economia também.