Nas ruas, nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, o clima pré-eleição é de guerra política e histeria. A esta altura da corrida, esperava-se uma atmosfera semelhante no mercado financeiro, ambiente por onde circulam altas doses de adrenalina e tensão. Curiosamente, a sensação até aqui é de paz e alívio. Depois de quase dois meses de muita incerteza, nesta que vem sendo tratada como a eleição mais imprevisível desde a redemocratização, os investidores se tranquilizaram com as pesquisas de intenção de voto e o provável cenário de um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Os reflexos nos principais indicadores da economia foram animadores na última semana: depois de bater em 4,19 reais em meados de setembro, o maior patamar registrado na história, o dólar estava cotado em 3,92 reais na tarde da última quinta-feira (veja o quadro abaixo). O índice Ibovespa, que em seu pior dia afundou para menos de 75 000 pontos, subiu até passar dos 82 000. A alta da terça-feira 2, de quase 4%, foi a maior desde novembro de 2016. “Muitos investidores estavam esperando para ver o que aconteceria antes de tomar decisões. Quando o cenário ficou mais claro, o mercado se posicionou”, diz Sara Delfim, sócia-fundadora da gestora Dahlia Capital.
Em cenários nebulosos, as empresas congelam os investimentos, os consumidores adiam gastos e investidores tentam proteger seu dinheiro, todos esperando mais clareza sobre o futuro. O mercado detesta cenários nebulosos. Enquanto o PT trocava a candidatura do ex-presidente Lula pela de Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro, do PSL, mostrava desarmonia com seu economista de plantão, Paulo Guedes, a economia afundava. O cenário ficou pior porque os prediletos do mercado — Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoêdo (Novo) — não empolgaram o eleitorado. Analistas acreditam que o próprio atentado a Bolsonaro, em 6 de setembro, ajudou na desidratação dos concorrentes, pois aumentou a exposição do candidato do PSL nos meios de comunicação. Não foi coincidência o fato de o dólar ter disparado e a bolsa despencado justamente nos dias entre a facada em Bolsonaro e a oficialização de Haddad na cabeça de chapa do PT.
A consolidação de Bolsonaro à frente nas pesquisas, apesar dos ataques adversários e previsões em contrário de muitos analistas, e o descolamento de Haddad do segundo pelotão deixaram o cenário mais claro — ainda que não seja o ideal para os investidores. “Em determinado momento você tem de viver e jogar o jogo com as cartas que estão na mesa”, diz Ricardo Lacerda, fundador e presidente do banco de investimentos BR Partners. Há o consenso de que muitos investidores passaram a ver Bolsonaro com bons olhos, apostando que ele vai bancar as reformas econômicas prometidas por Paulo Guedes. Apesar de o presidenciável ter voltado a classificar empresas como Petrobras, Caixa Econômica e Banco do Brasil como “estratégicas”, ou seja, fora do alcance das ideias privatizantes de Guedes, ainda prevalece a crença de que o rombo da Previdência será enfrentado, bem como o gigantismo do Estado brasileiro. O próprio candidato reconhece que o bom humor dos investidores se deve a seu Posto Ipiranga. “A reação do mercado em grande parte vem da confiança que eles têm no nosso, no que depender de mim, futuro ministro da Fazenda e do Planejamento”, disse Bolsonaro em transmissão no Facebook, antes de explicar que o Planejamento será um subministério.
Nesse contexto, o fato de o petista ter parado de crescer nas últimas pesquisas é visto como uma bênção dupla: fortaleceu seu adversário ao mesmo tempo em que levou Haddad a acenar para o mercado e afastar-se do discurso de Marcio Pochmann, guru econômico do PT que havia criticado a agenda de corte de custos do governo. O petista declarou que procura um ministro da Fazenda mais alinhado com os anseios do setor financeiro. Isso significaria fazer a balança pender para as necessárias propostas de reforma fiscal, em detrimento da agenda de seu partido. “Uma parcela dos investidores esperava essa convergência para o centro somente no segundo turno. A depender do tom da agenda econômica anunciada por Haddad nos próximos dias, os cenários podem até melhorar”, diz Evandro Buccini, economista-chefe da gestora de investimentos Rio Bravo.
O grande problema é encontrar alguém com biografia ilibada no mundo financeiro que tope assumir o posto de líder econômico, sabendo dos conflitos que terá com o PT. O caso remete à nomeação de Joaquim Levy, um economista de banco prestigiado entre investidores, para ministro da Fazenda em um dos piores momentos do governo Dilma. Levy não conseguiu vencer a resistência da presidente nem da ala mais radical do PT, fez reformas insuficientes e saiu do governo com a imagem arranhada. Por isso não será estranho se a bolsa der um soluço caso a esquerda se fortaleça nas pesquisas para o segundo turno. Mas, a favor de Haddad, financistas reconhecem que ele representa uma ala do partido que já passou anos no poder sem causar rupturas. Um inimigo íntimo, por assim dizer. Reforça essa ideia o fato de o candidato atrelar sua imagem à de Lula, enquanto esconde e silencia qualquer relação com Dilma.
A maneira como a equipe econômica de Temer está se portando em sua reta final no poder é mais uma razão para tranquilizar o mercado. Em um esforço para fazer uma transição de governo transparente e eficiente, o Ministério do Planejamento divulgou uma lista com 36 medidas que precisam ser adotadas pelo próximo presidente logo no início do mandato. Além de demonstrarem a situação de penúria das contas do governo, os técnicos do ministério frisaram a importância do cumprimento das regras orçamentárias. Entre as principais questões a ser adotadas com urgência estão a redução das isenções fiscais, o congelamento das despesas dos ministérios, o endurecimento das regras de concessão de seguro-desemprego e o adiamento do reajuste dos salários do funcionalismo para 2020. Na linha “quem avisa, amigo é”, há até uma orientação para que o novo ocupante do Palácio do Planalto envie ao Congresso um pedido de crédito extraordinário de 285 bilhões de reais para cobrir gastos com despesas correntes e com a Previdência sem desrespeitar a “regra de ouro”, cuja violação configura crime de responsabilidade. Parte das pautas já tinha sido proposta nos últimos meses, mas foi barrada pelo próprio núcleo político do governo ou pelo Congresso.
A expectativa é que o próximo presidente aproveite o embalo da popularidade conquistada nas urnas e abrace a agenda sugerida pela equipe de transição. Aguarda-se agora um sinal dos presidenciáveis de que pretendem encarar os problemas. “O compromisso com as reformas, vindo de ambos, seria interpretado de forma muito positiva”, diz Sara Delfim, da Dahlia Capital.
Apesar da ausência desse sinal, os investidores estão dando tempo ao tempo antes de se preocupar. Espera-se que, apesar das posições extremadas, Bolsonaro e Haddad moderem o discurso. “Veremos campanhas novas após o primeiro turno. O certo é que, para governar, os dois terão de dialogar tanto com o centro quanto com o mercado”, diz Roberto Indech, analista-chefe da corretora Rico. O risco de Guedes não durar muito tempo em um eventual governo Bolsonaro, por discordar do chefe, não está completamente descartado, tampouco a possibilidade de o candidato de um partido nanico não conseguir formar sua base no Congresso. O mesmo vale para Haddad e o PT, que viu virar pó suas alianças. Mas boa ala dos investidores, a despeito de muitos brasileiros, está otimista. Se as previsões se mostrarem erradas — e, sim, o mercado erra espetacularmente — ou houver algum placar-surpresa no primeiro turno, outras turbulências virão.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603