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Guedes faz recuo na agenda liberal para tentar avanços mais à frente

O Posto Ipiranga de Bolsonaro deu lugar a um ministro que articula politicamente e desagrada ao mercado. Um plano arriscado, mas que pode funcionar

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 13h09 - Publicado em 15 ago 2021, 08h00

Em um já longínquo março de 2019, o ministro da Economia, Paulo Guedes, discorreu sobre aquilo que considerava o diferencial da estratégia de gestão de Jair Bolsonaro. “Não adianta acusar o governo de não querer fazer política como antigamente. Fomos eleitos para não fazer. Aquele jeito de fazer política está na cadeia e está perdendo eleição”, afirmou ele. Mais de dois anos depois, não só o ministro, como todo o governo, abandonou essa retórica. Do superministro que aproximou o mercado financeiro do ex-capitão do Exército, Guedes tornou-se uma peça do mecanismo para a reeleição do presidente. E, nesse percurso, o antigo Guedes, rígido em suas posições e que impunha a sua agenda, ganhou flexibilidade e até alguma desenvoltura para confrontar o mercado.

Criticado por não saber ou não gostar de fazer política, o ministro da Economia trabalhou pela nomeação do expoente do Centrão Ciro Nogueira (PP-PI) para ministro da Casa Civil e se alinhou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela aprovação de seus projetos. Um símbolo de que essa transformação está completa foi a imagem de Guedes chegando abraçado a Nogueira e ao lado de Bolsonaro, na segunda-feira 9, para entregar a Lira o projeto que remodela o Bolsa Família e a Proposta de Emenda à Constituição que protela o pagamento de dívidas da União já tramitadas em julgado, os chamados precatórios. Esse segundo projeto foi criado exatamente para abrir espaço para o custeio de programas que aumentem a popularidade do presidente.

As duas medidas causam calafrios no mercado financeiro. Numa atitude impensável para o Guedes de tempos atrás, o projeto do Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família, foi apresentado sem o valor do benefício e quanto custará aos cofres públicos, deixando a cargo do Congresso escolher o tamanho do gasto. Já a PEC que parcela os precatórios inclui o plano de criar um fundo formado pela venda de ativos da União que serviria para fazer parte dos pagamentos por fora do teto de gastos. Trata-se de uma resolução criticada por muitos economistas como uma manobra para burlar o mecanismo de controle das despesas. Em reação aos dois projetos, o Ibovespa caiu abaixo do patamar dos 123 000 pontos na última semana.

Por mais surpreendente que seja, tamanha transformação do ministro segue a racionalidade. Oriundo da iniciativa privada, Guedes admite a seus secretários que encontrou muito mais resistência à agenda liberal do que esperava. Viu parte dos seus planos minada pelo próprio governo e perdeu praticamente todo o primeiro escalão da sua equipe original, por desgaste junto a Bolsonaro ou por cansaço com o ambiente de Brasília. “Na segunda metade do governo, um elemento político, naturalmente, ganha mais relevância do que o aspecto técnico. Mas não podemos descuidar, porque temos um nível de despesas muito alto”, diz Waldery Rodrigues, ex-secretário de Fazenda, que acaba de deixar o Ministério da Economia.

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A estratégia de momento se constituiria, basicamente, em retroceder alguns passos para avançar mais à frente. Ao ceder em suas convicções, Guedes espera ganhar mais tempo para prosseguir com seus projetos quando o ambiente político estiver menos turbulento. Isso sem perder, obviamente, o controle por completo. Em uma reunião recente com Bolsonaro, Guedes afirmou que apenas o andamento da agenda de reformas atrairia de volta o eleitor de centro, que busca, hoje, uma terceira via para as eleições do ano que vem. Com a jogada, o ministro tenta dar vazão às privatizações e reformas que representaram, segundo ele, uma parcela dos votos que o presidente teve nas eleições de 2018. O alinhamento com Lira já garantiu algumas vitórias recentes como a aprovação de projetos de privatização da Eletrobras e dos Correios. É uma aposta arriscada, sem nenhuma garantia de sucesso, mas que ainda pode dar certo.

Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751

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