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Lula volta a mirar BC em meio à necessidade de cortes de gastos do governo

Críticas do presidente à entidade tentam transferir a responsabilidade pela encrenca em que o Executivo se meteu ao negligenciar o ajuste fiscal

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jun 2024, 13h16 - Publicado em 21 jun 2024, 06h00
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  • O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vive dias conturbados. Estrela de um ministério apagado, ele foi desautorizado pelo presidente da República, viu a relação com o Congresso se desgastar após a devolução da medida provisória que restringia o uso de créditos tributários pelas empresas e esteve no centro de uma onda de boatos sobre sua permanência no governo.

    O cenário assustou os investidores, derrubou a bolsa de valores e elevou a cotação do dólar, que atingiu o maior valor desde janeiro de 2023 — sinais que, combinados, indicam que há algo muito errado acontecendo. Em meio a essa turbulência, no sábado, 15, o ministro participou como convidado de um evento em São Paulo. Falando para uma plateia de empresários, fez uma avaliação interessante sobre o país. O Brasil, segundo ele, é “uma encrenca”, um lugar “difícil de administrar”, e quem pode fazer a diferença, ou seja, quem ocupa posições de poder, muitas vezes não faz “a coisa certa” e “nem sempre está pensando no interesse público”.

    ALVO ERRADO - Lula sobre Campos Neto: “A quem este rapaz é submetido?”
    ALVO ERRADO – Lula sobre Campos Neto: “A quem este rapaz é submetido?” (Gabriel Silva/Ato Press/Agência O Globo/.)

    A crítica do ministro era dirigida ao Congresso e aos empresários, mas o diagnóstico caberia muito bem ao Executivo. Em um ano e meio de governo, Haddad tem sido uma espécie de cavaleiro solitário na tentativa de equilibrar as contas públicas — desafio que está na raiz do cenário turbulento e de muitas encrencas que realmente tornam o Brasil um país difícil de administrar. Não há mais espaço para aumento de impostos, o que torna a austeridade a única alternativa. Depois da confusão provocada pela devolução da medida provisória do PIS/Cofins,, Had­dad se reuniu com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em busca de uma saída para o impasse. “Nós temos agora um dever de casa sobre o lado da despesa. Se os planos A, B, C e D já estão se exaurindo para não aumentar a carga tributária pela receita, sob a ótica da despesa, nós temos os planos A, B, C e D, que estão sendo formulados”, disse Tebet. A ministra também pode ser incluída na categoria das pessoas que tentam fazer a coisa certa. Mas, ao que parece, ela está no grupo das exceções.

    COISA CERTA - Simone Tebet: “Não há mais espaço para aumento de impostos”
    COISA CERTA - Simone Tebet: “Não há mais espaço para aumento de impostos” (Ton Molina/Fotoarena/.)
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    Dias depois, o presidente Lula até reconheceu a necessidade de cortar gastos, mas disse que existe uma “divergência profunda” sobre o que ele considera gasto e investimento. A seu modo, ele tentou explicar: “Tem uma coisa na minha vida que eu sempre prezei muito: primeiro, eu não gosto de gastar aquilo que eu não tenho, aprendi com uma mulher analfabeta, que era minha mãe. ‘Você não pode gastar o que você não tem, você só pode gastar o que você ganha. Se você tiver que fazer uma dívida, você tem que fazer uma dívida para aumentar alguma coisa na vida.’ É assim que eu prezo a minha consciência política. Nós temos que gastar corretamente aquilo que nós temos, e é por isso que nós estamos fazendo um estudo muito sério sobre o Orçamento”, disse em entrevista à rádio CBN. Não conseguiu ser muito claro. Na sequência, disparou críticas contra os empresários, contra o Congresso e, principalmente, contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

    ATIVISMO - Equipe apagada: muitos dos problemas do governo são criados pelos próprios ministros
    ATIVISMO - Equipe apagada: muitos dos problemas do governo são criados pelos próprios ministros (Joédson Alves/Agência Brasil)

    Lula disse que a economia do Brasil vai bem. A única “coisa desajustada” é a taxa de juros, que estaria alta por causa da autonomia do Banco Central, que seguiria orientação política e trabalharia contra os interesses do país. “É preciso baixar a taxa de juros compatível com a inflação. A inflação está totalmente controlada. Fica se inventando discurso de inflação do futuro, o que vai acontecer”, ressaltou o presidente, antes de partir para o ataque a Campos Neto. “Um presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o país. Não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, analisou. “A quem esse rapaz é submetido? Como vai a festa em São Paulo quase assumindo candidatura a cargo no governo de São Paulo? Cadê a autonomia dele?”, acrescentou, referindo-se a um evento de que o presidente do BC participou recentemente na companhia do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Feitas às vésperas de uma das reuniões mais importantes do Comitê de Política Monetária — que, como se previa, interrompeu um ciclo de cortes de juros, com a manutenção da taxa em 10,5% ao ano —, as insinuações de Lula, além de tentarem constranger os integrantes do Copom, tinham o claro objetivo de transferir para o BC a responsabilidade pela encrenca em que o governo se meteu ao negligenciar o ajuste fiscal.

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    INCERTEZA - Bolsa de valores: cenário instável tem afugentado os investidores
    INCERTEZA - Bolsa de valores: cenário instável tem afugentado os investidores (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

    É público que, enquanto o ministro da Fazenda busca alternativas para tentar equilibrar as contas, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, trilha o caminho inverso. Por trás desse paradoxo, há divergências de opiniões, mas também interesse eleitoral. Os dois petistas se apresentam como candidatos à sucessão de Lula em 2030 ou em 2026, caso o presidente decida não concorrer à reeleição. Aplicado o diagnóstico de Haddad, Rui Costa poderia perfeitamente ser listado entre aqueles que “não fazem a coisa certa” e “nem sempre pensam no interesse público”. Costa defende o abrandamento das metas fiscais, sabendo que a tarefa de equilibrar o Orçamento, embora necessária, vai gerar atritos com setores influentes da atividade econômica, inevitáveis embates com o Congresso e pode resultar, num primeiro momento, em impopularidade — tudo o que Lula se esforça para evitar. A encrenca entre os dois ministros rende intrigas, troca de acusações e ruídos que ampliam o nível de desconfiança em relação ao governo.

    arte encrencas economicas

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    Há outros integrantes do Executivo dando sua parcela de contribuição para fazer do Brasil “um lugar difícil de administrar”. São autores de propostas populistas, projetos retrógrados, promessas não cumpridas, trapalhadas, leniência e omissão em áreas importantes. Combinadas com o enrosco econômico, formam um conjunto respeitável de encrencas que precisam ser enfrentadas (veja o quadro) por quem ocupa posição de poder. Vacilante e ambíguo em suas declarações sobre a real disposição de promover o ajuste fiscal necessário, o presidente, segundo consta, teria sido bem mais contundente sobre o tema numa reunião reservada que teve com Fernando Haddad e Simone Tebet no Palácio do Planalto. Teria, inclusive, cobrado dos ministros um plano de ação detalhado. É um bom sinal, que aponta na direção de fazer a coisa certa, sem deixar de lado o interesse público, como deve ser.

    Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898

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