Metais e pedras preciosas são símbolos de poder e riqueza desde a Antiguidade. E as modernas joalherias sempre usaram muito bem esse fascínio pela opulência para promover seu negócio. Não deixa de surpreender, portanto, que empresas especializadas na exclusividade e nos valores altíssimos de seus produtos cogitem popularizar as criações de seus designers e ourives. Pois é exatamente isso que acontece com as grandes redes de joalherias brasileiras, que passaram a explorar um novo segmento de mercado com enfoque, digamos, mais popular. Dentro do conceito de “luxo acessível”, elas vendem — em meio a diamantes, peças de ouro, turmalinas e rubis com preços que chegam à casa dos seis dígitos — prosaicos pingentes, anéis e pulseiras de prata por menos de 200 reais.
A mudança de foco decorre, em parte, do contexto econômico que o país vive. No prospecto preliminar para a abertura de capital da joalheria Vivara, que ocorreu em outubro deste ano, os executivos da empresa classificam sua linha de produtos Life como um dos pontos fortes da rede. Em um catálogo de mais de 2 000 peças, essa espécie de submarca com artigos de prata se tornou quase um seguro contra o orçamento apertado da clientela.
A ideia inicial da Vivara era enfrentar a concorrência da rede dinamarquesa Pandora, que chegou ao país em 2009. A linha acabou vingando justamente durante a pior fase da crise econômica brasileira. Hoje, os produtos representam quase 30% das receitas da empresa. Além das lojas classudas onde a linha popular da marca tem vitrine e espaços exclusivos, a Vivara mantém 54 quiosques espalhados por shoppings no país e duas lojas dedicadas à Life apenas para a venda desses produtos. O preço das peças é determinante para o sucesso: os itens partem de 150 reais e, em épocas de promoção, é possível achar alguns por 70 reais, valor de bijuterias mais refinadas.
Um dos traços dos jovens da chamada geração millennial, com faixa etária entre 25 e 35 anos, é a aversão à ostentação e ao exibicionismo. Trata-se de uma combinação complicada para empresas especializadas em artigos de luxo que veem nesse nicho um importante segmento a ser explorado. Em meio a um processo de modernização de sua marca, a mais tradicional joalheria brasileira, a HStern, resolveu dedicar atenção à sua linha de entrada, chamada de MyCollection. Contratou Sasha Meneghel, a filha da apresentadora Xuxa, como sua garota-propaganda e passou a oferecer peças a partir de 175 reais em sua página na internet.
Para o relançamento da linha em 2018, entraram na vitrine peças feitas de prata, acompanhando similares de ouro (nas variedades amarelo, branco e rosé), direcionadas a jovens e adolescentes, mas que também atingiram mulheres mais velhas que buscam joias para o dia a dia. “Nossa ideia não é disputar o mercado de fast-jewelry, formado por peças baratas, mas mostrar que a HStern também pode ser jovial, moderna e acessível”, afirma a gerente de marketing da rede carioca, Alix de Ligne, que acumula o título de princesa da monarquia belga. Em média, as peças da linha My Collection têm valor entre 1 000 e 3 000 reais, enquanto a linha principal da joalheria custa o quíntuplo desses valores. Atualmente, as joias acessíveis representam cerca de 10% do faturamento da HStern e apresentaram um crescimento de 15% em vendas entre 2018 e 2019. “A extravagância saiu de moda e deu lugar a um consumo mais comedido, que faça sentido com o estilo de vida das pessoas”, afirma Abelardo Marcondes, presidente do LuxuryLab, fórum voltado para a indústria do luxo. “Produtos como esse tipo de joia refletem um fenômeno global que ganhou força entre as novas gerações.”
Com a juventude no radar, a rede Monte Carlo, também sediada no Rio e com quarenta lojas espalhadas pelo país, tem investido em uma linha de produtos paralela batizada de Jolie. Ao todo, são cerca de 1 000 itens, parte deles feita por licenciamento e inspirada na saga bilionária Harry Potter e no seriado Friends — que em 2019 completou 25 anos desde sua estreia e continua a ser um sucesso de audiência nos canais de streaming. A proposta é que as clientes colecionem as peças e personalizem seus acessórios, carregando em pulseiras peças ligadas a locais que já visitaram ou associadas a filmes que marcaram sua vida. Os produtos, feitos de prata, zircônia e ouro, começam em 100 reais e, assim como os demais lançamentos, mostram que ficou no passado a ideia de que usar uma joia era sinônimo de (muita) riqueza.
Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665