Foi depois de conhecer o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, nos Estados Unidos, no início dos anos 1940, que o então tenente-coronel brasileiro Casimiro Montenegro Filho, à época diretor do Ministério da Aeronáutica, deu início a um projeto pessoal um tanto quixotesco: transformar o Brasil em uma potência global da aviação. “Antes de produzirmos aeronaves, precisamos produzir engenheiros”, dizia. “As pessoas achavam que ele era louco”, afirmou a VEJA NEGÓCIOS o escritor Fernando Morais, autor de Montenegro, biografia de Casimiro que agora está em fase de produção para virar série. “O Brasil importava até privada da Inglaterra, e ele falando em potência aeronáutica mundial?”
O fato é que, em 1950, foi concluída a fundação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, a primeira e ainda uma das poucas instituições brasileiras a oferecer o curso de engenharia aeronáutica. Famoso por realizar um dos vestibulares mais difíceis, é, até hoje, um dos principais centros de formação de engenheiros do país. Em 1953, nasceria o Centro Técnico de Aeronáutica, braço de pesquisa do projeto, e, em 1969, compartilhando o mesmo terreno, os laboratórios e profissionais formados ali, surgiu a Embraer, empresa que se converteria anos depois numa das maiores fabricantes de aeronaves do mundo.
Cearense de Fortaleza, Casimiro escolheu São José dos Campos, no interior de São Paulo, para sediar o complexo de alta tecnologia que vislumbrou. Agora, a origem do fundador é uma das razões que convergiram para definir a mais nova empreitada do instituto militar: a implantação de um novo campus em Fortaleza, na primeira expansão do ITA para fora da matriz em seus quase 75 anos de vida. “Trazer o ITA para o Ceará é uma maneira de fazer um resgate histórico e também de criar um indutor de desenvolvimento regional”, diz uma das coordenadoras do projeto, Fernanda Pacobahyba, ex-secretária da Fazenda do Ceará e presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
A ideia chegou a Brasília em 2023 junto com o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação, Camilo Santana, e prontamente ganhou entusiastas no Ministério da Defesa, nos governos do Ceará e de Fortaleza e, claro, no próprio ITA — que, apesar da natureza universitária, é oficialmente gerido pela Força Aérea Brasileira (FAB). A pedra fundamental do futuro campus, que ocupará a Base Aérea de Fortaleza, hoje parcialmente desativada, foi lançada em janeiro pelo presidente Lula e outras autoridades.
O investimento total está estimado em 400 milhões de reais, pagos pelo Ministério da Educação, e inclui a construção dos alojamentos, os sofisticados equipamentos dos laboratórios e, também, a restauração dos vistosos prédios da década de 1940 da Base Aérea, que irão abrigar salas de aula, laboratórios, auditório, biblioteca e escritórios administrativos. O plano é entregar as obras em 2027, quando os primeiros alunos já estarão no terceiro ano — eles prestarão vestibular neste ano, em novembro, o primeiro para os cursos da unidade de Fortaleza, que oferecerá as graduações de engenharia de energia e engenharia de sistemas, com 25 vagas cada. “Uma avaliação que fizemos foi que a unidade de Fortaleza tinha que oferecer cursos diferentes dos de São José dos Campos”, diz o reitor do ITA, Antonio Guilherme Lorenzi.
Os primeiros dois anos de curso, que contemplam o ciclo básico da engenharia, serão realizados em São José dos Campos. “Eu pensava em fazer engenharia espacial”, afirma o cearense Matheus César Araújo, que, aos 21 anos, estuda para entrar no ITA desde os 16. “Mas receber a notícia de que agora vou ter a opção de contar com a excelência do ITA, sem precisar sair de perto da minha família, foi um presente.”
A necessidade e a oportunidade de o Brasil ter mais profissionais para as áreas de energias renováveis, cruzadas com a vocação natural do Ceará, que já é um polo de investimentos no setor, foram outros motivos para a escolha do novo endereço. Ter a base da FAB ociosa e à disposição em Fortaleza também ajudou. Por fim, pesou a favor a potência educacional em que a região se transformou. O Ceará já disputa com São Paulo o posto de estado que mais aprova candidatos ao ITA. No vestibular do ano passado, cada estado respondeu por 37% dos 150 aprovados. Na praça cearense, a maioria vem de dois tradicionais colégios particulares da capital, o Farias Brito e o Ari de Sá, que se especializaram em cursos voltados para o ITA e atraem estudantes de todo o país. “Atualmente, 60% de nossos alunos são de outros estados”, diz o diretor de ensino do Farias Brito, Marcelo Pena.
As mensalidades estão próximas dos 3 000 reais — um dos principais impeditivos, lá e em todo o Brasil, para que o número de jovens egressos de escolas públicas dentro do ITA seja maior. Dos inscritos na prova do ano passado, 80% vinham da rede particular e 76% dos aprovados são brancos. É para tentar redesenhar essa história que a Secretaria de Educação do Ceará aproveitou o desembarque da nova faculdade e criou o PreparaITA, um cursinho público focado nas provas do instituto. “A intenção é justamente dar oportunidade aos alunos que não têm condições de pagar as escolas privadas e aumentar a aprovação deles”, diz a titular da pasta, Eliana Estrela. As primeiras turmas começaram neste ano e somam pouco mais de 400 alunos. Entre eles, está Pedro Henrique Veneranda, 14 anos, morador da Grande Fortaleza que, desde pequeno, sonha em ser mecânico de avião, mas nem considerava perseguir a carreira por não ter como bancá-la. “Eu via o ITA como uma coisa muito distante e já tinha me conformado que não era para mim”, diz. “Saber de um curso gratuito e com foco nas aulas que eu precisava mudou tudo.”
Outro desafio da filial nordestina é repetir a fórmula de integração que deu tão certo no berço compartilhado do ITA e da Embraer no Vale do Paraíba, em São Paulo. “Temos diversas empresas trabalhando junto às grandes universidades, mas, no geral, há no Brasil um descolamento da indústria e da academia”, diz Anderson Correia, ex-reitor do ITA e atual presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo. Em São José dos Campos, essa união rendeu não só a fundação da Embraer e o desenvolvimento, no ITA, dos primeiros aviões que seriam produzidos e vendidos pela empresa, mas também uma ligação umbilical que, em um país onde faltam engenheiros, se estende até hoje. “A nossa relação histórica contribui para a formação de capital intelectual, pesquisas de alto valor para a sociedade e avanços na busca de soluções para a aviação do futuro”, disse a VEJA NEGÓCIOS o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto.
De acordo com Fernanda Pacobahyba, do FNDE, a equipe do ITA Fortaleza já costura parcerias com a Fiec, a Federação das Indústrias do Ceará, e vislumbra um vasto potencial de colaboração com as empresas que planejam instalar-se no polo de hidrogênio verde, uma alternativa aos combustíveis fósseis, em desenvolvimento no estado. “Queremos essas empresas trabalhando com os pesquisadores do ITA e replicando o modelo de academia voltada para a produção”, diz Fernanda. A pujante integração entre academia, poder público e setor produtivo foi o que impressionou Casimiro Montenegro Filho em suas visitas ao MIT. Em São José dos Campos, a iniciativa levou a resultado inquestionavelmente brilhante. Agora, o Brasil torce para que, na terra natal de Casimiro, a história se repita.
Publicado em VEJA, agosto de 2024, edição VEJA Negócios nº 5