Ninguém pode acusar os novos dirigentes do Banco do Brasil, Caixa e BNDES de falta de ambição. Na cerimônia de posse dos presidentes dos três bancos públicos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um discurso duro contra a atuação das instituições no passado recente e exigiu mudanças drásticas: “O dirigismo econômico corrompeu e travou o mercado de crédito, promovendo uma transferência perversa de renda. Os novos presidentes dos bancos já assumem sabendo que isso está errado, para promover um olhar novo”. O recado foi claro: o mercado de crédito precisa sair das mãos do Estado, com uma redução substancial nos empréstimos subsidiados no país. Joaquim Levy (BNDES), Rubem Novaes (Banco do Brasil) e Pedro Guimarães (Caixa) endossaram a ideia, mas foi Guedes quem destilou as palavras mais ácidas do dia. “Perderam-se os bancos públicos através de uma aliança perversa de piratas privados, democratas corruptos e algumas criaturas do pântano político”, disse, sob aplausos dos homenageados na cerimônia.
A função social dos bancos, que fique claro, permanece. O financiamento a famílias de baixa renda (caso da Caixa), a agricultores (especialidade do Banco do Brasil) e a empresas sem acesso aos bancos privados e ao mercado de capitais (um dos focos do BNDES) continuará a dispor de condições favoráveis. Mas a lista não irá muito além disso, e as operações com juros subsidiados vão diminuir bastante. “Para quem é classe média, tem de pagar mais (do que no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida) ou vai buscar no Santander, no Bradesco e no Itaú”, disse Pedro Guimarães ao explicar que os juros baixos para a compra de imóveis ficarão restritos a quem está na base da pirâmide social. Os demais executivos seguiram essa linha. No caso do Banco do Brasil, que tem forte atuação no crédito agrícola, estuda-se reduzir o subsídio no juro e ampliar o incentivo à contratação de seguro pelo produtor, mais barato. Levy, por sua vez, frisou que a prioridade do BNDES será dada às companhias de médio porte e a projetos de infraestrutura, descartando, portanto, uma política voltada para grandes corporações. “Historicamente, eu diria que uma vulnerabilidade do Brasil é ainda não ter um setor de empresas médias fortes e com capacidade de crescer e criar emprego, e se desenvolver e incorporar novas tecnologias”, afirmou.
Guimarães e Novaes querem diminuir ainda mais a exposição de seus bancos, com planos para abrir o capital de algumas das subsidiárias das respectivas instituições e assim mitigar o risco de seu uso político futuro. Na Caixa, a ideia é achar sócios para sua divisão de investimento e para as áreas de seguros, cartões e loterias. No BB, o alvo é a administração de fundos de investimentos e de cartões.
Nos anos do governo do PT, mas especialmente a partir da crise financeira de 2008, os bancos públicos se tornaram um instrumento recorrente para tentar estimular a economia com a concessão de crédito farto e barato. Com a incerteza econômica, as instituições privadas passaram a ter mais cautela. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou, na contramão do mercado, que os bancos públicos fossem mais agressivos para emprestar mais e conquistar clientes. Foi uma política que perdurou até o impeachment de Dilma Rousseff. Como consequência, tais bancos ampliaram de 36% (em 2008) para 56% (em 2016) sua participação no total de crédito do país. A concessão de empréstimos duvidosos em tempos difíceis teve como resultado óbvio a explosão da inadimplência, a ponto de a Caixa ter pedido socorro ao Tesouro Nacional para cobrir o buraco em seu balanço.
A Caixa foi uma das instituições que mais sofreram em negociações nebulosas, como a compra do quebrado Banco Panamericano, do apresentador Silvio Santos, em 2011, em parceria com o BTG Pactual. Quatro anos depois, concedeu à Petrobras um pré-financiamento de 2 bilhões de reais, apesar de o banco não ter foco em grandes empresas — o gigante do petróleo teoricamente não teria dificuldades para conseguir empréstimo no mercado privado. O caso mais emblemático, no entanto, foi a política do BNDES de favorecimento aos chamados campeões nacionais, companhias que já se destacavam em seus setores e receberam aportes ou empréstimos para crescer ainda mais e fazer aquisições no Brasil e no exterior. A JBS, a Oi e a LBR Lácteos são algumas das empresas beneficiadas. A JBS entrou no olho do furacão do escândalo de corrupção envolvendo seus principais controladores, os irmãos Joesley e Wesley Batista, enquanto a Oi e a LBR naufragaram apesar da generosa injeção de capital e acabaram pedindo recuperação judicial.
A busca por um Estado impessoal é ótima notícia, mas é cedo para comemorar, uma vez que os discursos precisam virar realidade. Há, porém, um alento. “A guinada nos bancos públicos não depende de aprovação do Congresso. São mudanças que podem ser postas em prática em pouco tempo e reforçar a melhora das expectativas”, diz Evandro Buccini, economista-chefe da gestora de recursos Rio Bravo. Além de anunciar a nova política para o crédito, o governo sinalizou nos últimos dias ter batido o martelo no seu plano para a reforma da Previdência. E houve mais uma reviravolta. Em vez de encampar uma proposta menos ambiciosa e, portanto, com maiores chances de aprovação no Congresso, Guedes decidiu que a estratégia será encaminhar um projeto que preveja uma mudança profunda nas regras de aposentadoria e de concessão de benefícios. Os detalhes serão anunciados nos próximos dias, mas o objetivo é que, se aprovada, a reforma estanque o crescimento do déficit da Previdência de tal modo que não seja necessário voltar ao assunto em um prazo de vinte anos. Até uma fórmula de transição para um regime de capitalização, no qual cada trabalhador terá a própria conta de benefícios, deve ser incluída na nova proposta do ministro. O Congresso eleito só começa a trabalhar em fevereiro, e são os novos parlamentares que vão decidir o que passa e o que não passa. No que depender da equipe econômica, o Legislativo terá a oportunidade de resolver o maior problema do Brasil.
Quem manda mais?
Os desencontros começaram na semana da vitória de Bolsonaro nas urnas. No dia seguinte ao da eleição, o então futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deu declarações confusas à imprensa sobre metas de câmbio e juros, e também sobre a reforma da Previdência. A resposta de Paulo Guedes, já anunciado como o responsável pelos assuntos econômicos do novo governo, veio atravessada. “Houve gente falando que não tem pressa de fazer a reforma da Previdência. O mercado reagiu mal. É a fala de um político falando de economia”, disse Guedes, para arrematar: “É o mesmo que eu falar de política. Não dá certo”.
Guedes queria ver aprovada a proposta de Temer ainda em 2018, para iniciar o governo em janeiro com um obstáculo a menos, e o titular da Casa Civil, sabe-se lá por que cargas-d’água, preferia ver a assinatura de Bolsonaro na reforma. Os desarranjos entre Casa Civil e Economia entraram por 2019. Na terça-feira, o governo divulgou a imagem dos dois ministros à mesa de almoço, mapa do Brasil ao fundo, para dar ares de harmonia à relação entre ambos. Um sinal de que as coisas estão mais ou menos abaladas. Afinal, se houvesse harmonia, não seria preciso foto alguma.
Divergências entre a Casa Civil e a equipe econômica não são estranhas aos brasileiros. No arranjo institucional do país, a Casa Civil, que cuida da articulação política, está em choque quase constante com a área econômica, dado que os interesses de uma são, em geral, contrários aos da outra. FHC passou todo o seu primeiro mandato mediando uma disputa entre seu articulador político Clóvis Carvalho e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, cuja política Carvalho chamou publicamente de “covarde”. Antonio Palocci também não teve vida tranquila enquanto ocupou a pasta da Fazenda no governo Lula, sendo constantemente torpedeado por José Dirceu e, depois, por Dilma Rousseff. Ficou famosa a declaração da então ministra de que um plano de ajuste fiscal apresentado pelo correligionário era simplesmente “rudimentar”.
Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617
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