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Guedes não quer deixar o governo, mas interferências na economia incomodam

Se o ministro sair, será ruim. Sua tese é a melhor para o país

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Larissa Quintino Atualizado em 4 jun 2024, 14h44 - Publicado em 30 abr 2020, 19h50
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  • Desde que assumiu o comando da equipe econômica com status de superministro, Paulo Guedes enfrenta com certa frequência a mesma pergunta: até quando continuará no governo? Durante a tramitação da reforma da Previdência, ele próprio alimentou essa dúvida ao declarar a VEJA que, se o presidente e o Congresso não quisessem aprovar o projeto, iria embora para casa. Agora, em meio à pandemia do novo coronavírus, a especulação sobre sua permanência no cargo voltou a ganhar corpo diante das sucessivas derrotas que o Posto Ipiranga vem sofrendo no Congresso e até dentro do governo. A última delas foi a apresentação pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, de um plano de investimento em infraestrutura de cerca de 200 bilhões de reais em recursos públicos, iniciativa que Guedes, um liberal egresso da Escola de Chicago, repudia com veemência. Tão logo anunciado, o Pró-Brasil foi interpretado como um sinal de perda de poder de Guedes e passou a fomentar a suspeita de que ele poderia pedir demissão.

    Na última sexta-feira, essa suspeita se acentuou depois que o outro superministro do governo, o ex-juiz Sergio Moro, deixou o cargo sob a alegação de que o presidente Jair Bolsonaro tentava interferir politicamente no Ministério da Justiça. O paralelo com a situação de Guedes foi inevitável, já que o Pró-Brasil, na avaliação do ministro, representa uma intervenção em sua seara. Conforme revelado pelo site de VEJA, Guedes chegou a se queixar ao presidente do plano, elaborado pelos ministros militares em parceria com Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional. Relembrando o período da ditadura, Guedes disse a Bolsonaro: “Os militares começaram bem e acabaram mal. Acabaram mal porque não privatizaram as empresas. Não abriram a economia. Não fizeram a transformação do Estado que nós queremos fazer”. Mesmo após essa conversa, alguns auxiliares de Guedes achavam que ele cumpriria a ameaça feita tantas vezes de “pedir o chapéu”. O mercado também teve essa percepção, tanto que oscilou para baixo na sexta-feira 24.

    Rogerio Marinho
    MODO GASTANÇA - Rogério Marinho: o ex-assessor virou desafeto do ministro (Valter Campanato/Agência Brasil)

    Bolsonaro, que diz não entender nada de economia, conhece muito bem a política. Após perder Sergio Moro, símbolo do combate à corrupção, o presidente agiu rapidamente para segurar Guedes, responsável pelo apoio de setores importantes do PIB ao governo. Já na manhã da segunda-feira 27, o mandatário apareceu no cercadinho do Palácio da Alvorada ao lado de Guedes, da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Diante das câmeras de TV, Bolsonaro foi enfático: “O homem que decide a economia no Brasil é um só: chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir”. O afago presidencial provocou reação imediata. O Ibovespa, o principal índice da bolsa de valores no Brasil, subiu 3,86%. No pregão anterior, depois das denúncias feitas por Moro contra Bolsonaro, a queda havia sido de 5,45%. Bolsonaro ainda dedicou outro afago a Guedes. Na quarta-feira 29, junto com o ministro, o presidente recebeu um pequeno grupo de empresários no Palácio do Planalto.

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    DESAGRAVO - Empresários se reúnem no Planalto: afagos e a garantia do presidente de que não haverá mudanças (//Instagram)
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    A reunião serviu como um desagravo ao chefe da equipe econômica. “O presidente reafirmou que o Guedes vai continuar sendo a voz forte da economia, e isso nos deixou muito tranquilos”, contou a VEJA Sebastião Bomfim Filho, um dos participantes do encontro. Mesmo com o agravamento da crise econômica devido ao avanço da Covid-19 no Brasil, Guedes insiste na aprovação de reformas estruturais como o melhor caminho a ser seguido. Sua equipe só aceitou abrir os cofres públicos após ser pressionada pelo Congresso e pelo próprio presidente da República, que consideraram tímidas as reações iniciais. O Ministério da Economia estima que as medidas anunciadas pela pasta envolvam mais de 1 trilhão de reais, entre dinheiro já previsto no Orçamento, recursos novos e liberação de créditos. Cobrado dentro e fora do governo, Guedes alega que as medidas emergenciais precisam ter um caráter provisório, com data para acabar, e não podem abrir brecha para a criação de despesas permanentes.

    “Em um momento de crise, em particular de uma crise como a atual, que não se sabe quanto tempo vai durar, não se pode perder a noção de estabilidade econômica. Caso contrário, a recessão deste ano poderá se estender por mais tempo”, diz o economista Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getulio Vargas. “Tão importante quanto enfrentar a crise é como sair dela, e o Brasil precisa manter a capacidade produtiva e a capacidade de investimento. As medidas tomadas até agora não desmontam esses parâmetros. Não se pode sair jogando dinheiro, abrindo a torneira. Isso é irresponsabilidade fiscal e tem um preço muito alto”, acrescenta o economista, fazendo coro com as preocupações de Guedes. A tese é perfeita, a melhor para o país, mas tem resistências. A ala militar, com exceção do ministro Tarcísio de Freitas, alinhado com o pensamento do Posto Ipiranga, é favorável a um peso maior do Estado na economia, especialmente em tempos de crise.

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    COMEÇA BEM - General Ramos, o articulador político: trombadas (Isac Nóbrega/PR)
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    Para tornar ainda mais difícil o desafio de Guedes, ele enfrentará o apetite do notório Centrão, grupo de partidos que está negociando apoio a Bolsonaro em troca de cargos e verbas públicas (veja a reportagem na pág. 38). Para os políticos dessa estirpe, cujos expoentes protagonizaram escândalos como o mensalão e o petrolão, uma das saídas para a crise é transformar o país num grande canteiro de obras, o que pode render dividendos eleitorais a todos, incluindo o presidente. As negociações com o bloco, que pode ser decisivo para barrar um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro, são capitaneadas pelos ministros Rogério Marinho, ex­-assessor que se tornou desafeto de Guedes, e Luiz Eduardo Ramos, a quem o chefe da equipe econômica responsabiliza pelo fato de o Congresso ter aumentado o valor das emendas parlamentares que devem ser obrigatoriamente pagas pelo governo. “Apertar o botão da gastança e sair procurando farra eleitoral é simples. Volta e meia tem um que pensa isso, e o que nós temos de fazer? Bater em quem faz isso. Bater no bom sentido”, reagiu Guedes na semana passada.

    Gasto público como a principal medida econômica não é novidade no Brasil. Usada pelos militares na década de 70, essa estratégia teve como resultado descontrole nas contas públicas e hiperinflação. Recentemente, programas de infraestrutura de governos petistas agravaram a situação fiscal e ainda serviram para dar fôlego a esquemas de corrupção, que envolveram as principais empreiteiras do país. Ao assumir o cargo, Bolsonaro prometeu combate intransigente à roubalheira e crescimento com rigor fiscal. A demissão de Moro fez ruir a primeira perna. A saída de Guedes, se ocorrer, levará o governo de vez ao chão.

    Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685

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