A fabricante de aviões Embraer quer retomar a rota do crescimento após a frustrada negociação com a americana Boieng. Mas, para isso, terá primeiro de sobreviver à pandemia do novo coronavírus, que tem causado uma derrocada na demanda de viagens. O primeiro passo foi dado. Na noite desta segunda-feira 15, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES, anunciou a aprovação de um empréstimo de 300 milhões de dólares — o equivalente a 1,5 bilhão de reais — para socorrer a companhia de aviação nacional. O financiamento faz parte de um pacote de crédito oferecido por um consórcio de bancos, que pode chegar até a 600 milhões de dólares — ou 3 bilhões de reais —, dependendo da adesão das instituições financeiras.
A empresa é tida como uma joia nacional e, mesmo com o cenário incerto da pandemia, pode se sobressair. Na visão de especialistas, a Embraer, por trabalhar com aeronaves menores, está melhor posicionada em relação às concorrentes Boeing e Airbus para atender os anseios das companhias aéreas mundo afora. Com a queda da demanda de passageiros, voar se tornou uma missão mais criteriosa. Para mitigar os riscos de prejuízo, já que cada lugar vazio é um potencial de receita desperdiçado, aeronaves menores serão mais exigidas. Os investidores também enxergam isso. No último mês, os papéis da companhia registraram uma alta de 37%, passando de 6,59 reais para os atuais 9,05 reais. Algumas casas de análises já reclassificaram o preço-alvo de suas ações para algo em torno de 13 reais. “A frota da Embraer é formada por aeronaves menores, o que acaba viabilizando as rotas de algumas empresas na Europa e nos Estados Unidos neste momento de retomada. Se as empresas apostam em jatos grandes, os voos marginalmente podem se tornar deficitários. Então, ela deve se sobressair neste momento”, diz Francisco Lyra, presidente do Instituto Brasileiro de Aviação e sócio-diretor da consultoria C-Fly Aviation. Nesta terça-feira, 16, as ações ordinárias da empresa listada na B3 se valorizaram 5,5%.
A despeito do otimismo momentâneo, nem tudo é límpido no céu da Embraer. Segundo noticiado nesta terça-feira pela agência Reuters, após o acordo fracassado com a Boeing, quatro executivos seniores devem deixar a companhia, além do chefe da unidade de aviação comercial. Dentre os nomes que estão desembarcando do projeto estão o vice-presidente de operações Nelson Salgado, que trabalha na Embraer há 30 anos, e Antonio Campello, que comandou o braço de inovação da empresa conhecido como EmbraerX, cujo projeto mais marcante é a criação de um veículo de decolagem e pouso vertical que está sendo desenvolvido em cooperação com a Uber. A empresa considera o projeto de alto risco, mas com grande potencial de retorno financeiro. “A Embraer tem uma importância estratégica para o Brasil. Ela representa o investimento em tecnologia e a diversificação de receita do país, para não ficarmos dependendo somente de commodities”, justifica Lyra. Com a pandemia de coronavírus, a Embraer estuda pulverizar parcerias, firmando contratos com parceiros pontuais em determinados projetos, sejam para os setores de aeronaves de luxo, aeronaves comerciais ou militares. Com isso, a empresa ganharia mais dinamismo.
Há um mês, o BNDES firmou a participação em um socorro avaliado em 6 bilhões de reais para as companhias Azul, Gol e Latam. Além disso, estudava-se um acordo com as empresas de serviços auxiliares ao transporte aéreo, que empregam 38.000 pessoas e já demitiram cerca de 50% da força de trabalho, e companhias aéreas de menor porte. O socorro cogitado seria de ao menos 450 milhões de reais, valor que seria destinado por meio de recursos disponíveis no FNAC, o Fundo Nacional de Aviação Civil, gerido atualmente pela Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias, como garantia para a concessão das linhas de crédito por parte do BNDES. Mas, isso não aconteceu. A proposta acabou sendo barrada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o que elevou as demissões no setor. “Foi muito chato. O uso do FNAC está encalhado não por conta do Ministério da Infraestrutura e sim por causa do Ministério da Economia. Não vai ser fácil disponibilizar esse recurso. Enquanto isso, estamos sofrendo e demitindo funcionários que poderíamos estar segurando”, diz Ricardo Miguel, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Serviços Auxiliares ao Transporte Aéreo (Abesata). Essas companhias ainda sofrem com o calote das gigantes do setor aéreo brasileiro. “Estamos torcendo para que o governo federal desate o nó do socorro às companhias aéreas, pois elas devem muito dinheiro a seus prestadores de serviços. Estamos com cerca de 3 a 4 meses de serviços prestados que não foram pagos por elas”, diz Miguel.
Sem recursos, as empresas de serviços complementares pedem prioridade para acessar recursos pela Medida Provisória 975/2020, que criou o Programa Emergencial de Acesso a Crédito, cujo objetivo é dar mais garantia em operações de crédito e fazer com que o dinheiro chegue aos donos de pequenas e médias empresas brasileiras. Miguel acredita que 70% das companhias de serviços auxiliares ao transporte aéreo estão aptas a acessar os recursos pela MP. A entidade mantém conversas com o superintendente da Área de Indústria, Serviços e Comércio Exterior do BNDES, Marcos Rossi, e o secretário nacional de Aviação Civil, Ronei Saggioro Glanzmann, para garantir um lugar preferencial na fila de acesso ao crédito. A Abesata, ao lado de entidades como Abear, Iata e Anvisa está encabeçando uma campanha que tem o intuito de conscientizar funcionários e passageiros de que o avião é um ambiente limpo e seguro e que todas as medidas sanitárias para evitar o contágio pelo coronavírus estão sendo tomadas.
Quem também pretende mitigar os riscos é a Azul e a Latam. Duas das três maiores operadoras de voos no país, as empresas firmaram um acordo de compartilhamento de voos (ou codeshare) nesta terça-feira, 16. O acordo inclui 50 rotas domésticas que são complementares entre as duas empresas e que ligam as cidades de Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Recife (PE), Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Curitiba (PR) e Guarulhos (SP). Nas rotas em que não há voos diretos, os passageiros poderão fazer um trecho com a Latam e outro com a Azul. Com isso, as empresas conseguem maximizar as oportunidades de forma conjunta. “É uma aposta para assegurar a capilaridade. Se a empresa está com a malha reduzida por conta da pandemia e teve destinos suspensos, ela pode completar o percurso utilizando-se desta parceria. Assim, as empresas não precisam competir para os mesmos destinos”, diz Lyra. Segundo a Abesata, um alento para o setor é que o número de voos programados para o Aeroporto Internacional de Guarulhos para julho, neste momento, é de 50% em relação ao período pré-pandemia. Apesar de preocupante, o número é um alívio, já que o setor aéreo chegou a reduzir sua quantidade de voos em mais de 90% no início de abril. Ainda não se sabe ao certo, no entanto, se haverá demanda para tanto.