Uma queda de dois trimestres consecutivos no PIB da maior economia do mundo gera uma alerta global e põe os Estados Unidos no quadro de recessão técnica. Como prenúncio de uma estagnação econômica maior, a classificação vem em um cenário de inflação recorde de 9,1% no acúmulo de 12 meses e com o quarto aumento consecutivo na taxa de juros para reduzir esse nível inflacionário. Embora o cenário seja fortemente desafiador para a economia americana, especialistas ouvidos por VEJA explicam que ainda é cedo para falar de recessão econômica (de fato) por lá.
Fatores como consumo das famílias, gastos do governo, investimento privado e exportações compõem o cálculo final do Produto Interno Bruto (PIB). E, diferentemente da recessão técnica, que se caracteriza por dois trimestres consecutivos de baixa do PIB, a recessão econômica sugere um período de perda prolongada desses fatores. O agravante desse último quadro, por sua vez, seria uma depressão econômica, com anos de queda na atividade econômica. Vale salientar que, embora o conceito geral adotado para definir recessões em países seja dois declínios trimestrais consecutivos no PIB, existe uma forma diferente nos EUA. A determinação oficial dos fins e inícios dos ciclos no país é feita por um grupo de acadêmicos do National Bureau of Economic Research, um órgão oficial de pesquisas.
Os dados divulgados nesta quinta-feira, 28, demonstram a contração dos gastos dos governos, seja no nível federal, estadual ou local; também apontam para o recuo nos investimentos privados em estoque e em investimentos fixos residenciais e não residenciais. É esse o combo de retração que explica a queda no PIB dos EUA no último trimestre.
Em contrapartida, o consumo das famílias ainda continua em alta, com aumento de 1% na base anual, sendo responsável por movimentar grande parte da economia, e fazer com ela continue dinâmica. Além disso, o país está com um mercado de trabalho superaquecido, na histórica taxa de 3,6% em desemprego, isto é, operando no patamar de pleno emprego. “Houve um aquecimento da demanda da população norte-americana, que teve a sua renda incrementada pelas políticas do governo para compensar os efeitos negativos da pandemia, e houve um aquecimento da demanda por produtos industrializados e da inflação de serviços, que está entre de 5% e 6%, distante também da meta de 2%”, avalia Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos. Esses indicadores internos são somados aos fatores globais, especialmente à inflação dos combustíveis no contexto da guerra na Ucrânia.
Embora seja cedo para falar em recessão de fato nos Estados Unidos, pode-se seguramente falar de desequilíbrio na economia local. O quarto aumento de juros para reduzir a escalada geral de preços está na linha tênue entre atingir o objetivo esperado de diminuir o ritmo de alta de preços, desacelerando a economia, sem, contudo, implicar em um movimento de queda acentuada da economia. A economista e professora da FGV, Carla Beni, menciona um forte impacto dos sucessivos aumentos de juros no consumo das famílias, considerando o intervalo de tempo para impacto máximo da ação, média de 3 trimestres, após a decisão do Banco Central. “O crédito fica encarecido e a sociedade americana é fortemente endividada. Então, o volume de crédito em relação ao PIB é muito elevado”, descata.
Além da redução do consumo, um outro ponto de destaque é a queda no financiamento imobiliário. Com os custos mais altos, já como efeito da política de aumento de juros, muitos compradores desistiram dos negócios. A queda na construção de casas, o investimento fixo residencial, foi de 14% na taxa anual, conforme os dados de hoje, 28. Assim como o consumo das famílias, o setor imobiliário é um indexador de alto impacto ao PIB americano. É em função desses fatores que a política monetária do BC americano precisa atuar sempre considerando a margem do equilíbrio ao buscar reduzir a escalada de preços desacelerando a economia. Confiando na política monetária do Federal Reserve, o presidente Joe Biden vem sendo enfático em negar prontamente uma recessão econômica no país. “A economia vive de expectivas. Se os agente econômicos – famílias, empresas, setor financeiro – acreditarem que há uma recessão, ela acaba se configurando”, menciona a economista Carla Beni.