A americana Carole Ghosn, casada com Carlos Ghosn desde 2016, não fala com o marido há sete meses. Ela diz desconhecer os motivos para a proibição feita pelos investigadores do caso, mas desconfia que a restrição à comunicação entre o casal esteja sendo usada para pressionar o empresário. Por telefone, de sua casa em Beirute, no Líbano, ela falou a VEJA.
Como a vida de sua família mudou nesses doze meses desde a prisão de seu marido? É o pior período da nossa vida. Carlos era o pilar da família, nos mantinha juntos. O resultado disso é que nos unimos ainda mais pelo objetivo de libertá-lo, e seus amigos estão se revezando para ir ao Japão visitá-lo.
Qual é a parte mais difícil dessa situação? É uma lista sem fim de injustiças. Ele passou 130 dias na solitária sem acusação formal. Por que não o tratam como inocente até que se prove o contrário? Meu marido é tido como culpado antes que possa se defender.
A senhora acha que há um tratamento diferente por ele ser estrangeiro? É uma pergunta que faço. Veja o caso do CEO que sucedeu ao Carlos na Nissan (Hiroto Saikawa). A empresa descobriu que recebeu pagamentos indevidos, mas ele não foi preso nem afastado de sua esposa e da família. Não o colocaram na solitária, não negaram que ele tivesse acesso a seu advogado. Ele renunciou ao cargo e foi para casa.
Deram alguma justificativa para esse afastamento? Eles querem puni-lo. No Japão, você fica na cadeia até ir para julgamento. Mas, com tanta pressão internacional sobre o caso, eles o soltaram sob fiança. Não permitem que nos vejamos ou conversemos.
Um motivo para isso poderia ser a existência de alguma acusação contra a senhora. A Justiça do Japão já disse que não há nada contra mim.
Onde a senhora estava quando seu marido foi preso em novembro de 2018? Em um avião a caminho de Nova York. Quando cheguei, meu filho me deu a notícia. Estava certa de que se tratava de algum engano e de que as coisas iriam se esclarecer rápido.
Da segunda vez que Ghosn foi detido, em abril, a senhora estava junto com ele. Como foi isso? Eles vieram muito cedo. No dia anterior, ele tinha comunicado que faria uma coletiva de imprensa. A polícia o levou antes das 6 da manhã, mas a porta do prédio estava lotada de jornalistas japoneses. Eles queriam humilhar o Carlos.
Como a senhora reagiu? Enquanto levavam meu marido, os investigadores me seguraram por quatro horas, revistando um apartamento de 50 metros quadrados. Pegaram meus cartões de crédito e confiscaram meu passaporte libanês — o que é ilegal. Eu estava de pijama. Queria trocar de roupa, tomar um banho. Uma oficial da polícia entrou comigo no banheiro e me revistou, como se eu fosse uma criminosa.
Qual foi a última coisa que seu marido disse à senhora ? Que me amava, e que era para eu ser forte.
Vocês vinham com frequência ao Brasil? Passávamos o Natal e o réveillon no Rio, e fomos algumas vezes para o Carnaval. Nós dois amamos o Brasil, estar com a família. Carlos tem duas irmãs que moram aí. O Brasil é a casa dele.
As autoridades brasileiras foram acionadas para o caso? Mandamos mensagens por meio de pessoas próximas ao ministro Ernesto Araújo. A irmã de Carlos escreveu uma carta ao presidente Bolsonaro, pedindo que fale sobre o caso com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe.
A senhora fala português? Não. Só sei dizer “bom-dia”, “obrigada”. E conheço também a palavra “saudade”.
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661