Nos velhos tempos em que viajar era uma atividade ao alcance de boa parte da humanidade, as madames com contas bancárias recheadas pegavam o avião, desembarcavam em Paris, Londres ou Nova York e partiam direto para seu turismo favorito: se esbaldar nas lojas da Prada, Dior, Gucci e Chanel, enchendo sacolas e mais sacolas de roupas, sapatos e bolsas caríssimos, mas ainda assim mais em conta do que em São Paulo ou Rio de Janeiro. As estatísticas confirmam a preferência nacional pelo esporte: em 2019, 58% das compras de artigos de luxo feitas por brasileiros ocorreram fora do Brasil. No ano passado, aquele diferente de tudo que se viu até agora, pegar avião deixou de ser possível e ficar dentro de casa, pendurado no celular e no laptop, passou a ser a nova realidade. Entre as muitas consequências desta reviravolta na vida das pessoas, uma de grande impacto foi a implosão do consumo de grifes de alto luxo — de uma hora para outra, os clientes sumiram e o faturamento desmoronou. Premido pela necessidade, o setor abriu uma brecha no muro da exclusividade e aderiu, ele também, às vendas on-line, para as quais sempre torceu o empertigado nariz.
Teve uma grata surpresa: as clientes aprovaram. “Por mais resistentes que sejam, as marcas tiveram de se tornar digitais. O comportamento do consumidor mudou”, explica Renata Carvalho, coordenadora da Câmara Brasileira da Economia Digital. Esnobado como ambiente reservado a fregueses que não tinham traquejo social para frequentar o ar rarefeito das maisons, o comércio on-line está sendo a salvação do alto luxo. Segundo pesquisa do Instituto QualiBest, 40% das mulheres da classe alta no Brasil estão comprando mais pela internet, 23% mantêm o volume de consumo de antes da pandemia e 12% são consumidoras novinhas em folha do e-commerce — ou seja, quase 80% das compradoras de maior poder aquisitivo estão comprando a distância. A assessora jurídica Paula Dias, de 28 anos, de Mato Grosso do Sul, sempre adorou desembarcar em Paris e bater perna nas lojas mais sofisticadas das Galeries Lafayette, seu ponto preferencial de compras. Quando o novo coronavírus fechou as fronteiras, Paula, sem outra opção, resolveu enfrentar a maratona de pesquisas nos sites de luxo — e aprovou. “Consegui descontos que nunca tinha visto no mercado de luxo. E ainda ganhei um monte de brindes junto com as compras”, relata, feliz da vida.
Animada com o potencial deste mercado, a L’Oréal Brasil, responsável por perfumes e maquiagem de marcas como Yves Saint Laurent e Giorgio Armani, investiu nas vendas on-line e viu aumentar em 30% o número de consumidores cadastrados. Em volume, o acumulado até outubro de 2020 já ultrapassava os números de 2019, apesar dos três meses de lojas físicas fechadas. “Para atrair a clientela, oferecemos vantagens como atendimento em português e um pós-compra descomplicado”, diz Roberta Sant’Anna, diretora da divisão de luxo da empresa. Além de vendas em seu próprio site, a L’Óreal também faz uso dos chamados market places — sites em que vários lojistas vendem seus produtos e o cliente paga tudo junto, em um único carrinho. Dessa forma, é possível encontrar na Americanas.com, por exemplo, perfumes da Prada, óculos de Dior e Dolce&Gabbana e, no caso da americana Ralph Lauren, até algumas peças de vestuário. “Parte da atração dessas marcas está no fato de serem inalcançáveis para a maioria. Mas, quando a aura de exclusividade resulta em vendas raquíticas, as empresas não sobrevivem”, explica André Cauduro D’Angelo, autor do livro Precisar, Não Precisa: um Olhar sobre o Consumo de Luxo no Brasil.
Shopping centers conhecidos pela quantidade de grifes luxuosas em seus corredores, como o Iguatemi e o Cidade Jardim, em São Paulo, também se abriram com alarde ao comércio via internet, possibilitando a compra online de vestidos, bolsas e calçados de marcas inacessíveis ao comum mortal, como Missoni, Christian Louboutin e Gucci. Do lado da clientela, aqueles que se aventuraram no luxo on-line perceberam que, com o real desvalorizado, comprar no exterior deixou de ser tão bom negócio, mesmo levando em conta os altíssimos impostos locais. “Atualmente, só o que compensa nas viagens para consumir é a experiência da recepção, da hospitalidade”, afirma Catarina Sampaio, que trabalha com hotelaria e pesquisa este mercado. “Somando todos os fatores que impactam o preço final, é provável que, mesmo depois da crise, parte desse consumo continue no Brasil”, concorda Carlos Ferreirinha, presidente da consultoria MCF. Sem falar na maior de todas as vantagens de comprar artigos de luxo no país, só agora descoberta por muitas turistas do consumo: o inefável prazer de parcelar. A estudante Pietra Lins, 22 anos, de Niterói, virou entusiasta do recurso tipicamente brasileiro: “A economia de comprar fora era absurda, mas agora já não vale tanto a pena e ainda perco a opção de pagar em várias vezes”. Como se vê, a pandemia, que mudou tudo no planeta, está deixando sua marca no até então inabalável mundo das marcas caríssimas.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722