Executiva-chefe da P&G no Brasil, Juliana Azevedo tem trabalhado constantemente para quebrar as barreiras de uma das maiores multinacionais de bens de consumo no mundo, com políticas de diversidade e inclusão. Nos últimos dias, a empresa lançou uma parceria com o Instituto PROA, no Rio de Janeiro, para capacitar até 6 mil jovens de baixa renda para o mercado de trabalho. Pelo menos mil deles terão a oportunidade de trabalhar em parceiros da ONG e nas três operações que a P&G mantém na região. A empresa investirá 5 milhões de reais na iniciativa. Primeira mulher a exercer o comando da subsidiária brasileira da companhia, Juliana sabe como poucas pessoas a trilha para o sucesso em uma carreira profissional — ela entrou para a P&G como estagiária, em 1996. Conselheira da Unicef, da Câmara Americana de Comércio e presidente do conselho deliberativo da ONG por educação United Way, ela fala sobre os desafios de dirigir a companhia na pandemia de Covid-19, o desempenho dos produtos e a preocupação com os rumos da economia do país.
A pandemia afetou o desempenho dos produtos da P&G no Brasil? Eu acho que ninguém passou ileso pela pandemia. Mas não há dúvidas de que nós fazemos parte de uma indústria considerada essencial, com produtos das áreas de higiene e saúde, beleza e cuidados pessoais, que são segmentos que estão do lado mais privilegiado da pandemia. Nós temos um portfólio muito amplo, em que há categorias que cresceram muito e outras que não cresceram tanto. De modo geral, o nosso resultado é de crescimento, que passa por, praticamente, todas as categorias. Mesmo no caso dos desodorantes, que é uma categoria que não cresce normalmente, a gente está conseguindo evoluir na pandemia.
Então, houve crescimento mesmo nas categorias de produtos masculinos? Sim. Em outras partes do mundo, essas categorias até perderam força, principalmente nos produtos de barbear. Mas, surpreendentemente, aqui no Brasil, o que vimos foi uma preocupação muito grande com a higiene pessoal, porque houve uma comunicação de que pelos no rosto não seria adequado para se manter protegido frente ao coronavírus, e isso aumentou as buscas de produtos para barba.
Quais foram as prioridades para a atuação da empresa com a Covid-19? A prioridade máxima é cuidar da saúde das pessoas. Nós somos 4 mil colaboradores diretos aqui no Brasil e, hoje, por conta da situação atual do país, decidimos colocar um percentual desse contingente trabalhando remotamente. São cerca de mil pessoas. Mas também temos tomado todos os cuidados com a nossa grande parcela de funcionários que está nas ruas, nos pontos de venda e na fábrica, em busca de garantir o abastecimento desses itens essenciais. Outra prioridade que foi deflagrada em março e segue até hoje é ajudar a comunidade.
O trabalho remoto foi bem aceito pelos funcionários da empresa? Sim. Nós mudamos os protocolos da fábrica, empoderamos todos para tomar as decisões necessárias de forma mais rápida. E mantivemos o nosso compromisso com a inovação. No período de julho a dezembro de 2020, nós inovamos 30% a mais em relação ao mesmo período de 2019. Não tiramos o pé do acelerador, eu diria que aceleramos mais ainda com a pandemia. E isso tem alimentado o nosso crescimento.
Como é fazer a gestão de uma empresa de tamanha magnitude de forma remota? Tem sido um processo de aprendizagem muito grande. A tomada de decisão precisa ser diferente, então eu acabo aprendendo sobre assuntos diferentes. Um dos principais indicadores que nós acompanhamos hoje, e que não fazia parte do nosso dia a dia, é o número de casos por Covid-19 e a taxa de ocupação nas UTIs das cidades onde eu tenho funcionários. Só assim eu posso saber se vou liberar a minha equipe de visitadores médicos e a minha equipe de venda para estarem nas ruas ou não. Com a pandemia, o líder de uma empresa teve de ter três tarefas: gerir o negócio, gerir a crise e ter a sensibilidade de imaginar o dia de amanhã. Pesquisas mostram que hoje, na situação do nosso país, a empresa privada e a liderança da empresa privada são consideradas uma das principais fontes de informação e confiança por parte da população. Essa responsabilidade cresceu bastante na pandemia.
A P&G Health lançou recentemente o Vick Primeira Proteção, um spray nasal que promete inativar o vírus do resfriado. Há alguma eficácia comprovada para que esse remédio possa combater também a Covid-19? É um dispositivo clínico que se aplica no nariz e ele elimina o vírus do resfriado. Fizemos testes in vitro para o coronavírus, mas não podemos recomendar o uso. A recomendação do Vick Primeira Proteção é, de fato, para o vírus do resfriado. Esse produto não tem contraindicação e é uma das inovações importantes da P&G para este momento. Há ainda um outro produto que é um tablete, chama-se Vick VapoShower, que você usa no banho e ele solta o aroma do Vick VapoRub e ajuda a soltar as vias respiratórias, o que é importante depois de um dia inteiro usando máscara de proteção. São inovações para o momento atual. Além da inovação nos produtos, a gente também procurou inovar na comunicação. Tivemos, por exemplo, mais de 60 lives orientando dentistas que trabalham com a marca Oral-B a fazer a gestão financeira de seus consultórios quando estavam fechados, com treinamentos sobre consultas virtuais e, por meio da marca Pampers, promovendo chá de bebês virtuais.
Por mais que o consumo tenha retomado aos poucos nos últimos meses, o Brasil dá sinais preocupantes de inflação e de falta de crescimento econômico. Nos últimos meses, várias fabricantes deixaram o país, deixando um rastro de desemprego. Como a senhora avalia o atual momento? No segmento em que atuamos, o Brasil ainda é, em potencial, o terceiro maior mercado do mundo. Então, nós já tínhamos, mesmo antes da pandemia, um potencial muito maior nas nossas categorias de atuação: beleza, cuidado pessoal e saúde. A P&G realmente tem um compromisso com o Brasil de longo prazo. Foram 200 milhões de reais investidos no centro de inovação de Louveira (SP), uma decisão estratégica de inovar por meio do Brasil. Nós seguimos enxergando um potencial enorme. A P&G tem 16 ou 17% de participação de mercado. Há muitos brasileiros e brasileiras que ainda não nos conhecem. O nosso objetivo é democratizar os nossos produtos. Mas, claro, a situação não é fácil. Exige que trabalhemos mais próximos de clientes e fornecedores, com inovação.
Mas o momento de perda de poder de compra e índice elevado de desemprego da população é algo que preocupa? Sem dúvida. São indicadores que afetam diretamente o tamanho das categorias. Quando nós inovamos, mais do que uma preocupação com a nossa participação de mercado eu me preocupo com o tamanho deste mercado. Mas o que a gente sabe é que metade do impacto do tamanho do mercado é definido por fatores externos, como inflação, desemprego e poder de compra; enquanto a outra metade é definida pela capacidade de as empresas inovarem de forma diferenciada. Eu estou me dedicando nesta segunda parte, que é a que eu controlo, trabalhando em inovações que façam a diferença na vida das pessoas, com produtos de qualidade superior e que caibam no bolso de um número cada vez maior de brasileiros. E daí vem a importância do nosso centro de inovação, com 150 cientistas. Isso faz uma diferença enorme para termos produtos melhores, que sejam rentáveis e que caibam no bolso do consumidor brasileiro.
Em 2019, a P&G inaugurou o centro de inovação em Louveira, interior de São Paulo. A pandemia atrapalhou, de alguma forma, o funcionamento da unidade? A nossa parte de fabricação e distribuição nunca parou. Obviamente elas se ajustaram. Temos mais de 20 protocolos diferentes, que, obviamente, foram se ajustando aos decretos estaduais. Às vezes temos um ou outro funcionário com suspeita de Covid-19 que acaba tendo de ser afastado, mas é um tipo de situação que a gente tem de enfrentar. O campus de Loveira está operando bem como um todo.
Em 2020, Bayer e Magazine Luiza identificaram carência de negros em cargos de gestão das empresas e decidiram lançar programas de trainee para recrutar novos talentos. O que a P&G tem feito para inserir mais mulheres e negros na alta cúpula da gerência? Durante a pandemia, a nossa agenda de cidadania, que é tudo que fazemos no sentido da equidade e da inclusão, avançou ainda mais. A história mostra que em momentos graves como o que estamos vivendo as maiores minorizadas sofrem mais. Jovens, potências periféricas e mulheres estão perdendo mais empregos e saindo do mercado profissional. Se forem negras ou tiverem condição de PcD (pessoa com deficiência) a situação é pior ainda. As empresas que já têm uma consciência nesse sentido têm de ter um papel de avanço ainda maior nesse momento. E é assim que a gente se vê. Então, por exemplo, na P&G, 40% dos funcionários são mulheres. Na gerência esse número passa para 50%. No meio da pandemia, resolvemos ampliar a nossa licença paternidade para oito semanas. Ela é para casais hétero e homoafetivos. É um benefício para o casal, para que o homem possa ser um parceiro presente no desenvolvimento do filho. Em relação à inclusão étnico-racial, 32% dos nossos funcionários se declaram pretos ou pardos. Mas detectamos que no nosso escritório administrativo, em São Paulo, onde se têm mais cargos de alta gerência esse percentual é de apenas 13%. Nós somos uma empresa que promove internamente. Então, o que estamos fazendo é contratar mais gente na base. Em 2020, aumentamos a representação étnico-racial em 63% e contratamos 50% a mais de jovens que se declaram negros e pardos.
Há algum trabalho específico para ajudar no desenvolvimento desse profissional dentro da companhia? Sim. Para acolhê-los, lançamos o “P&G Para Você”. Como somos uma empresa americana, o inglês é fundamental, mas apenas 1% da população brasileira fala o inglês fluentemente. O P&G Para Você é um programa de mentoria, com curso de inglês, para que esse jovem menos privilegiado tenha oportunidade de crescer. Sabemos que precisamos ter uma ação afirmativa para que o mérito desse jovem seja colocado em jogo de fato. A mentoria é para ajudá-lo melhor. Já conseguimos aproveitar 25% dos jovens nesse programa. Esse programa como um todo faz parte do P&G Racial 360º, que está sendo exportado para outros países onde atuamos, o que nos dá muito orgulho.
Durante a pandemia, a iniciativa privada atuou para garantir um volume de doações elevado para a saúde e as famílias mais vulneráveis. Essa cultura veio para ficar? Eu acho que sim. Mas é preciso avaliar o propósito de cada uma dessas empresas. Daqui para frente, marcas e empresas deverão se posicionar mais. O consumidor está exigindo uma mudança de postura. É responsabilidade das companhias atuarem de uma forma mais holística, até para manter os melhores talentos. As ações afirmativas de impacto social e de inclusão devem, realmente, fazer parte do propósito das empresas e não estarem apenas num quadro de parede. Talvez essa cultura da doação seja um dos lados positivos desta crise, algo que veio para ficar.