Na pandemia de Covid-19, empresas como a americana Pfizer e a britânica AstraZeneca quebraram recordes de faturamento após produzir, em tempo muito curto, vacinas que salvaram milhões de vidas. Agora, a sensação da indústria farmacêutica no mundo é a dinamarquesa Novo Nordisk. Ela tem em seu portfólio um medicamento que se enquadra à perfeição na sociedade atual por levar ao emagrecimento. Trata-se do Ozempic, remédio injetável concebido de início para o tratamento de diabetes, mas, conforme descobriu-se depois, forte aliado na luta contra a balança. Enquanto os usuários do Ozempic emagrecem, o caixa da fabricante só engorda: a farmacêutica viu seu lucro aumentar 51% em 2023. O desempenho estimulou uma alta de quase 60% das ações da companhia em um ano. Atualmente avaliada em 556 bilhões de dólares, a Novo Nordisk se tornou a companhia com maior valor de mercado da Europa e a 14ª mais valiosa do mundo. Seu impacto é visível até na economia da Dinamarca: o crescimento do PIB em 2023, de 1,8%, teria sido negativo em 0,1% sem a participação do setor farmacêutico local.
Ozempic é o nome comercial dado à semaglutida, remédio que controla os níveis de açúcar no sangue. Vendido por até 1 200 reais a ampola no Brasil, ele foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2018 para o tratamento da diabetes tipo 2. Porém, como retarda o esvaziamento do estômago e prolonga a saciedade, a droga passou a ser usada também para o tratamento da obesidade. Foi aí que sua história começou a mudar, a ponto de o Ozempic virar febre no Brasil e no mundo.
A elevada procura pelo medicamento tem duas origens: a primeira é o uso em desacordo com a bula por pessoas que não são obesas, mas querem emagrecer. “A Novo Nordisk não endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off-label de seus medicamentos”, disse a VEJA Priscilla Mattar, vice-presidente da área médica da Novo Nordisk no Brasil. A segunda é a dramática tendência de crescimento dos casos de obesidade. “Trata-se de um dos maiores problemas de saúde pública no mundo”, diz Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. “No Brasil, ela atinge em torno de 21% da população.” A Federação Mundial de Obesidade prevê que, até 2050, 51% da população global estará com obesidade ou sobrepeso, e isso explica o entusiasmo do mercado com a Novo Nordisk.
Além de ampla, a demanda é recorrente. Os remédios para emagrecer tendem a exigir uso contínuo, já que parte do peso volta quando o tratamento é interrompido. Mais que isso, a margem de lucro dos medicamentos é astronômica: nos Estados Unidos, o valor cobrado pela dose mensal de Ozempic é de quase 1 000 dólares, enquanto o custo de produção da mesma dosagem é de apenas 5 dólares, segundo estudo realizado em conjunto pelas universidades Yale, Harvard e King’s College.
Na disputa pelo mercado do emagrecimento, a Eli Lilly também engordou seus resultados graças aos novos medicamentos da área. A farmacêutica americana dobrou de valor nos últimos 12 meses e está avaliada em cerca de 750 bilhões de dólares. No Brasil, a queda da patente da semaglutida em 2026 deverá facilitar a entrada de outros nomes no jogo, mas não são esperadas grandes mudanças no mercado. “Novo Nordisk e Eli Lilly estão se solidificando no segmento”, afirma Gerson Brilhante, analista de mercados globais da casa de análise Levante Inside. “Uma quebra do duopólio é algo extremamente remoto.”
Não é só o setor farmacêutico que sentirá os efeitos futuros do uso de remédios de emagrecimento. Segundo o banco americano Morgan Stanley, 24 milhões de pessoas nos Estados Unidos, ou 7% da população, tomarão algum tipo de droga para emagrecer até 2035, com implicações nos hábitos alimentares. “A indústria de alimentos, bebidas e restaurantes pode vislumbrar menor demanda, particularmente no caso de comidas menos saudáveis, calóricas e com mais sal”, afirma a analista Pamela Kaufman, em relatório. Conclusão semelhante tem a Citrini Research, para quem PepsiCo e McDonald’s podem sair prejudicadas. Uma versão “abrasileirada” do relatório, feita pela Ace Capital, coloca companhias como Ambev e Pão de Açúcar entre as perdedoras da nova ordem da magreza, que tem tudo para continuar ditando o apetite de pessoas – e do mercado financeiro.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888