Com a vacina contra o novo coronavirus, o ano de 2021 começou com uma expectativa de alta no preço dos produtos primários e de um novo superciclo das commodities, um reforço fundamental para a economia brasileira, que é um grande exportador. Nesta semana, porém, a alta dos preços em produtos como gás natural e petróleo ganharam um impulso a mais com as baixas temperaturas que atingiram com força pelo menos oito estados dos EUA e deixaram mais de 5 milhões de pessoas sem energia num dos invernos mais rigorosos do país. Suscetíveis a fatores sazonais, somados ao período de reaquecimento das economias mundiais, os preços estão subindo globalmente.
Temperaturas tão baixas a ponto de atingir o grau de congelamento dos combustíveis levaram o país a sofrer o aumento da demanda por petróleo e gás de aquecimento, ao mesmo tempo em que as maiores usinas do país tiveram de cortar a produção dos combustíveis, gerando apagões e deixando milhões sem energia elétrica. Como não poderia ser evitado, o preço dos combustíveis disparou, antecipando o movimento previsto por muitos especialistas da área.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, por exemplo, estimava antes mesmo da crise climática americana que o barril de petróleo atingiria 60 dólares com a retomada econômica mundial. Na terça-feira 16, os primeiros contratos futuros do petróleo encerraram nas bolsas de Nova York a 60,05 dólares o barril. A repentina alta se deve a uma crise pontual, mas ela endossa a expectativa de aumento de preços das commodities de energia neste ano.
De acordo com um relatório do JP Morgan, o mundo está entrando no seu quinto superciclo de commodities desde o século XX. “O último superciclo atingiu o pico em 2008 (após 12 anos de expansão), e o ponto mais baixo foi em 2020 (após uma contração de 12 anos). Provavelmente, entramos agora em uma fase de alta de um novo superciclo de commodities”, diz Marko Kolanovic, estrategista do JP Morgan responsável pela pesquisa. Além da retomada econômica que liberará a demanda reprimida, Kolanovic cita os estímulos monetários e aumento dos gastos públicos como contribuidores para este quadro.
A China foi o primeiro país a mostrar a força do consumo pós-crise, dando sinais de como será a retomada da economia mundial quando o vírus for controlado. O país foi a primeira grande economia a retomar a atividade na pandemia, já no ano passado, quando teve uma alta expressiva nas atividades industriais e também no consumo de commodities. Para a economia brasileira, que tem na nação asiática o seu principal parceiro comercial, essa foi uma notícia altamente promissora e fundamental para evitar uma queda maior do PIB brasileiro em 2020. Entre os produtos exportados, destacam-se soja, milho e açúcar.
Quanto à soja, o principal produto da balança comercial, o Brasil bateu recordes. A alta da demanda internacional foi tanta que as duas safras subsequentes brasileiras foram vendidas, o que pressionou os preços dos alimentos e levou a recordes históricos. Ainda assim, a expectativa para 2021 é de uma alta de 25% na média anual do preço dos grãos, de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Assim como ocorreu com a China, a perspectiva agora é que os demais países passem por esta recuperação econômica e industrial com o avanço das imunizações, o que certamente levará a um aumento das compras de commodities brasileiras como petróleo e minério de ferro. “Para retomar a economia precisamos de um aumento no consumo do petróleo e das commodities em geral e, como houve redução na produção lá atrás, teremos um ano de preços elevados em petróleo, gás e no próprio minério de ferro”, diz Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Neste cenário, empresas como a Petrobras saem ganhando. Em janeiro, os papeis da companhia ultrapassaram os 31 reais, atingindo preços não alcançados desde 2010. Outra empresa brasileira beneficiada é a Vale do Rio Doce. No começo do ano, as ações da empresa na B3 quebraram recordes históricos e bateram 102 reais – até novembro do ano passado, elas oscilavam em torno de 60 reais. Produtora de minério de ferro, o qual 70% do volume é vendido para a China, a empresa se prepara para um ano aquecido. Após uma produção em 2020 estimada em 320 milhões de toneladas, a expectativa é de 350 milhões em 2021 e 400 milhões em 2022. O minério de ferro é o principal produto da empresa, seguido pelo cobre, que também deve ter a sua produção expandida, mais especificamente em Carajás e em 2022.
Superciclo pós-crise do Subprime
Essa alta forte das commodities pós-crise não é algo inédito e a última vez que ela ocorreu foi depois da crise econômica de 2008, após o estouro dos subprimes. Na época, os preços do petróleo dispararam com a retomada econômica. A forma como o superciclo de commodities impactou o Brasil na época, porém, aconteceu com diferenças agudas em relação a agora. “Naquela época, a economia brasileira estava melhor que o mundo. O governo tinha condições de dar incentivos econômicos, mas agora não consegue mais. Por isso, empresas como a Ford estão saindo do país”, diz Tharcisio Bierrenbach, consultor em cenários econômicos e finanças e ex-diretor do MBA da Faap.
A grande mudança é que agora o Brasil enfrenta uma crise econômica interna, com um alto déficit fiscal e o real desvalorizado. Sem tantos incentivos governamentais no mercado doméstico e com uma queda da industrialização, o melhor para o país é focar no mercado internacional. “Câmbio desvalorizado, demanda internacional aquecida e retomada da economia mundial significam que 2021 será um bom ano para exportação”, diz Marcos Jank, professor de agronegócio global do Insper. Por isso, o superciclo de commodities será tão fundamental. Esses produtos prometem continuar, por um bom tempo, sendo as principais fontes de receita do país.