Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) divulgados na sexta-feira, 28, pelo IBGE mostram que o mercado de trabalho está aquecido no Brasil. A taxa de desemprego recuou para 7,1% em maio e é a menor para o período em dez anos. Embora afirmem que é uma notícia positiva, economistas ouvidos por VEJA apontam alguns desafios vindos dos números.
Há alertas relacionados à pressão inflacionária e à escassez de mão de obra, o que pode se traduzir em ainda mais cautela no afrouxamento da política fiscal por meio do Banco Central.
O que dizem os economistas?
Guilherme Sousa, economista da Ativa Investimentos, diz que a taxa de desemprego surpreendeu positivamente ao desacelerar para 7,1% no trimestre encerrado em maio, ante 7,5% em abril e expectativa de desaceleração menos robusta, para 7,3%. “A força de trabalho também subiu no período, de 108,8 milhões para 101,3 milhões no trimestre, reforçando ainda mais a surpresa positiva. A taxa de subutilização também caiu, saindo de 17,8% para 16,8% no período”, diz, lembrando que o rendimento real do atual trimestre móvel (de março a maio de 2024) subiu para 3.181 reais. No trimestre diretamente anterior (de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024) estava em 3.150 reais. “Entendemos que o mercado de trabalho vive excelente momento e corrobora com a postura mais cautelosa do BC ao optar pela manutenção da taxa de juros em 10,50% na última reunião”, analisa.
O professor de economia do Insper Roberto Dumas destaca que, embora a redução da taxa de desemprego seja inicialmente positiva, há um alerta relacionado à qualidade da mão de obra disponível no país.
“O Brasil não tem muita gente qualificada, 43% da população não têm acesso ao ensino médio. Quando a taxa de desemprego começa a baixar demais significa que a mão de obra qualificada está se escasseando, portanto, o aumento do custo da mão de obra começa a aparecer na inflação de serviços, o que aliás o Banco Central já tem alertado”, diz.
Rafael Perez, da Suno Research, diz que o recuo da taxa de desemprego reforça o dinamismo da economia neste ano, que tem mostrado uma expansão acima do esperado em diversos setores, como varejo e serviços, além do PIB e dos investimentos. “Segmentos que são mais intensivos em trabalho, como serviços, indústria e construção civil, têm se beneficiado das condições mais favoráveis para a renda e o crédito, apresentando forte aumento na criação de vagas”, diz.
Perez também aponta para o dilema inflacionário. “O mercado de trabalho mais aquecido tem ligado um sinal de alerta para o Banco Central há algum tempo, já que um consumo mais elevado tende a pressionar os preços de bens e serviços, dificultando a convergência da inflação para sua meta de 3%”, diz.
O economista Cosmo Donato, da LCA Consultores, explica que um mercado de trabalho mais flexível tende a puxar a taxa de desemprego para baixo. “Hoje nós vivemos num mercado muito mais flexível do que o que a gente vivia no pré-pandemia, até porque a gente já regulamentou juridicamente os efeitos da Reforma Trabalhista, a gente teve crescimento de novas modalidades de trabalho, o trabalho remoto, uma participação muito grande do empreendedorismo individual, na forma do trabalhador por conta própria. Hoje é mais fácil a pessoa se ocupar dentro do mercado de trabalho.”
Ele afirma que recordes do mercado de trabalho, população ocupada e o crescimento do rendimento têm surpreendido, mas também aponta para o risco de pressão inflacionária caso o mercado de trabalho se aqueça ainda mais. “A economia cresce, deve crescer cerca de 2%, um crescimento muito alinhado ao produto potencial. Agora é um mercado de trabalho que começa a mostrar sinais de que está mais aquecido do que a própria economia, e isso pode acabar se traduzindo em pressões inflacionárias”, diz.
Para ele, é possível que a taxa de desemprego se estabilize nesse patamar, mas se cair ainda mais a situação pode se reverter. “Com o que nós temos observado de crescimento corrente da economia, a gente consegue acomodar esse mercado no patamar atual”, diz.