Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, realizou sua última reunião do ano, confirmando a manutenção da taxa Selic em 2%, como amplamente esperado. Não obstante a aceleração da inflação nos últimos meses – que deve encerrar 2020 em 4,5% – o comitê enxerga a inflação do próximo ano em baixa (3,4%), inferior à meta (3,75%).
Adicionalmente, o Copom ainda manteve em seu comunicado pós-reunião a prescrição futura (“forward guidance”), sinalização de que em príncípio manteria os juros excepcionalmente baixos por um período prolongado. Mas comunicou que em breve poderá remover tal prescrição uma vez que as expectativas de inflação mais à frente (a partir de 2022) já estão mais próximas da meta.
O Copom continuou a considerar que a elevada inflação de curto prazo é de natureza temporária. Com efeito, o grande vilão em 2020 foi o preço da alimentação, que deverá subir 18,4%, o maior nível desde 2002, dada a alta do dólar e do preço das commodities agrícolas. Este movimento já mostra arrefecimento nos preços no atacado, com expectativa de alta modesta dos alimentos no próximo ano, em que a inflação deverá ser beneficiada por um dólar mais baixo (esperamos taxa de 4,80 reais por dólar ao final de 2021). Não cabe à política monetária combater tais movimentos, considerados como choques de oferta.
Entendemos ainda que, apesar da recuperação da economia em curso, as pressões inflacionárias serão contidas pelo alto grau de ociosidade na economia, notadamente no mercado de trabalho. O desemprego no próximo ano deve ainda subir, atingindo nível recorde de 16%, na medida em que pessoas hoje sujeitas ao distanciamento ou recebendo o auxílio emergencial voltem a procurar emprego. Com isso, teremos uma recuperação do consumo mais gradual sem pressões salariais, mantendo contidos os preços de bens e serviços.
Esse contexto de ociosidade deverá nos acompanhar por mais alguns anos, recomendando como prescrição uma política monetária estimulativa, tal como indicado pelo Copom. Estimamos, assim, que a Selic seja mantida em seu patamar atual até meados de 2022, momento a partir do qual subiria gradualmente até 6% no ano seguinte.
Ter um nível de juro excepcionalmente baixo – negativo em termos reais – é a forma de garantirmos financiamentos mais baratos que ajudem na recuperação da atividade e emprego. Mas tal opção só é viável na presença de disciplina fiscal, notadamente após a fortíssima expansão de gastos que vivemos com a pandemia e que deve colocar nossa dívida bruta próxima de 100% do PIB. Precisamos, assim, de reformas que aprofundem a disciplina fiscal, como a reforma administrativa e a PEC emergencial, ao lado de reformas que aumentem a eficiência da economia, como a tributária, privatizações e as concessões no setor de infraestrutura, demandando mudanças em marcos regulatórios. Se desviarmos desse rumo, o BC não terá alternativa a não subir juros – uma tragédia em contexto de desemprego elevadíssimo.
* Carlos Kawall é diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional