Colosso entre as associações empresariais brasileiras, a nonagenária Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, sempre foi uma personagem decisiva no debate econômico, e os assuntos discutidos em suas salas de reunião costumam refletir o que vem sendo debatido no país — e, especialmente, em Brasília. Nas últimas semanas, o prédio em formato de pirâmide encravado na Avenida Paulista tem reverberado também uma barulhenta disputa interna com ramificações que vão de posicionamentos políticos ao puro e simples poder de mando na entidade. Um embate decisivo no conflito está previsto para o dia 16, por meio de uma assembleia que pede a derrubada do presidente da federação, Josué Gomes da Silva, no cargo desde 2022.
Controlador da empresa têxtil Coteminas, Gomes é filho e herdeiro de José Alencar (1931-2011), vice-presidente da República nos dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A raiz de toda a confusão, segundo diversas fontes ouvidas por VEJA, favoráveis ou contrárias à nova liderança, está no estilo de gestão de Gomes, que instaurou um comando descentralizado e com uma agenda voltada a trazer de volta os grandes grupos empresariais para o dia a dia da Fiesp. Gomes tem o apoio dos mais fortes setores da indústria do país e de nomes como Horácio Lafer Piva, presidente da entidade de 1998 a 2004 e conselheiro da Klabin, e de Pedro Wongtschowski, que preside o conselho superior de inovação e competitividade da Fiesp e é presidente do conselho de administração do grupo Ultra.
Tal posicionamento levou a uma rebelião de líderes de uma miríade de associações empresariais, insatisfeitos com a pouca atenção do novo dirigente e saudosos da presença constante do seu longevo antecessor, Paulo Skaf, que comandou a instituição entre 2004 e 2021. Dedicado à construção de uma carreira política e consolidar seu poder no cargo, Skaf abriu as portas e cedeu espaço a numerosos sindicatos que ficaram conhecidos como o “baixo clero” do empresariado, compostos de representantes de empresas de menor porte e relevância econômica. Com essa estratégia, conseguiu se manter firme no comando da entidade, mesmo quando concorreu ao governo de São Paulo por três vezes desde 2010.
Em 2021, cada vez mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, Skaf passou a ser pressionado pelos grandes grupos setoriais que rejeitavam tal vínculo. Interessado em manter seus planos políticos e eventualmente uma possível participação em um segundo mandato do então presidente da República, Skaf apoiou a eleição de Gomes para o seu lugar. No comando, Gomes instalou um corpo diretivo técnico, concedeu maior poder a diretores e vice-presidentes e escanteou os grupos menores. “Como ele não puxou saco de ninguém em um ano de mandato, uma turma de dissidentes resolveu romper com ele”, afirma um empresário que prefere não se identificar. Gomes também desagradou a numerosos líderes afeitos ao bolsonarismo ao incluir a entidade, às vésperas do primeiro turno das eleições de 2022, entre os articuladores do documento “em defesa da democracia e justiça”. Conhecida como “Carta dos Empresários”, o manifesto reuniu diversas entidades, bancos, empresários, economistas, estudantes, entre outros, mas foi entendida como um posicionamento anti-Bolsonaro em benefício da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele claramente tomou lado, tanto que foi convidado para ser ministro pelo Lula”, afirma um empresário, referindo-se ao convite por Lula, que foi recusado por Gomes, em dezembro.
A reunião que pretende demover Gomes do cargo no próximo dia 16 foi convocada a partir de um documento assinado por 86 dos 112 sindicatos que integram a federação. O grupo, que segue fortemente vinculado a Skaf, vem articulando desde novembro a realização da reunião, que foi adiada duas vezes. No período, o movimento cresceu e ganhou o apoio de outros oito sindicatos. Em paralelo, ainda que em minoria, representantes de setores importantes, como aço, plástico, papel e celulose e eletroeletrônicos, se mantêm distantes da confusão. “A indústria raiz não assinou esse negócio e não apoia essa movimentação”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz.
Empedernida, a disputa na Fiesp acontece num momento em que a indústria volta a se tornar alvo dos holofotes. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, assumiu na quarta-feira 4 o recriado Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (o mesmo para o qual Gomes foi convidado), prometendo reindustrializar o país. A manufatura nacional, que respondia por 27% do PIB em 1985, hoje detém 11%. Também perdeu relevância internacional, passando de 2,77% da produção global, em 1995, para os atuais 1,28%. Essa perda se refletiu na Fiesp. Na virada da década de 90, as declarações do então presidente, Mario Amato, à frente da federação causavam tremores por toda a economia, como, nas eleições de 1989, quando afirmou que, se Lula fosse eleito, “800 000 empresários deixariam o país”. Hoje, em meio a um embate feroz, a pirâmide da Avenida Paulista luta também para manter sua relevância.
Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823