Com discurso escrito em parte por sua equipe econômica, o presidente Jair Bolsonaro embarca neste domingo, 20, para sua primeira participação no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Nesta sua estreia na cena internacional, Bolsonaro se confrontará, porém, com a edição deste ano do maior evento da elite financeira mundial voltada para a discussão das ameaças trazidas por políticos populistas e nacionalistas eleitos democraticamente.
Bolsonaro será a presença mais esperada no Fórum, que neste ano terá como tema oficial a “Globalização 4.0: Moldando uma Arquitetura Global na Era da Quarta Revolução Industrial”. A expectativa é que o novo presidente do Brasil exponha seu compromisso com a agenda de reformas da Previdência e Tributária e com a abertura comercial de um dos países mais fechados no mundo em seu discurso na terça-feira, 22.
Mas haverá grande ansiedade de investidores em decifrar o mais novo líder populista da extrema direita mundial, governante de uma das dez maiores economias do mundo. Em especial, sobre suas políticas que, em médio e longo prazos, podem repercutir em decisões de investimento de curto prazo, como a política de seu governo para a educação e o recente decreto que facilita a posse de armas de fogo por civis brasileiros.
Bolsonaro será escrutinado, e de seu papel em Davos e no comando do Planalto nesses primeiros meses de 2019 dependerá boa parte dos fluxos de investimentos produtivos no Brasile as perspectivas de crescimento econômico nos próximos anos.
Um tema de atenção de potenciais investidores no Brasil, porém, estará em Brasília. Pela primeira vez desde 1985, um militar estará à frente da Presidência da República. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, assume interinamente na noite deste domingo a cadeira de Bolsonaro e ali permanecerá sentado até a sexta-feira, 25. Mourão avisou que seguirá as ordens em vigor.
No ano passado, o evento recebeu o presidente americano, Donald Trump, que usou o palco para garantir que seu governo focaria em seu slogan “America First” (Primeiro a América). Na ocasião, o chefe de Estado da China, Xi Jinping, foi quem surgiu no palco do Fórum com mensagem em favor do sistema multilateral. Desta vez, Trump não vai aos Alpes suíços nem enviará representantes por conta da paralisia parcial do governo federal. A situação calamitosa é ditada por sua queda de braço com os democratas do Congresso em torno de seu projeto de construção de um muro na fronteira com o México.
Ameaça e opções
Em Davos, há reconhecimento, pela primeira vez, de que o descontentamento global é uma ameaça à economia e à estabilidade política. Não por acaso, o tema de Davos neste ano é a “Globalização 4.0”. Daí a importância do que Bolsonaro falará sobre a redução do protecionismo comercial brasileiro e também sobre o “globalismo”, a tese defendida por seu chanceler, Ernesto Araújo, sobre a contaminação do sistema econômico mundial pelo marxismo cultural.
Araújo o acompanhará na jornada à Suíça, assim como os ministro da Economia, Paulo Guedes, da Justiça, Sergio Moro, do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, da Casa Civil, Gustavo Bebbiano. Em seu séquito estarão ainda presentes o embaixador Mário Vilalva, presidente da Agência de Promoção de Exportações, Marcos Troyjo, secretário de Comércio Exterior, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins, assessor internacional do Planalto.
Em um “manifesto” que servirá de base para os debates desta semana, o fundador do fórum, Klaus Schwab, defende mais a “coordenação internacional” do que a “cooperação”. Sua manobra conceitual é interpretada como uma tentativa de acomodar a globalização aos anseios nacionalistas atuais.
“Isso significa chegar aos mesmos objetivos, enquanto se dá liberdade para diferentes visões nacionais, conceitos e valores”, explicou. Segundo Schwab, a “coabitação no mundo hoje deve estar baseada em interesses compartilhados, e não em valores compartilhados”.
Nessa nova estratégia, Schwab insiste que as atuais instituições já estão ultrapassadas. Uma mera reforma nos processos e institucionais internacionais, porém, não seria suficiente. Colocar um curativo na atual guerra comercial – visível especialmente no confronto entre os Estados Unidos e a China – não dará resultados. Davos acredita que chegou a hora de se moldar um novo sistema.
“Precisamos repensar nossas instituições globais, que foram criadas há quase 70 aos, e adaptá-las para garantir que sejam relevantes em nosso contexto”, afirma. “Depois da 2.ª Guerra Mundial, líderes se uniram para criar a estrutura global para viver juntos num ambiente de paz, segurança e prosperidade. Eles desenharam as organizações e os processos institucionais para atingir isso. Desde então, o mundo mudou e precisamos de uma nova forma de, juntos, moldarmos nosso futuro global”, disse
Schwab admitiu que a globalização também trouxe perdedores e que o mundo tem duas opções. A primeira,seria uma tentativa de acomodar a globalização aos anseios nacionalistas atuais. A outra, defendida por ele, seria abraçar as mudanças, preparar-se para ganhar com elas e “preservar a abertura” dos países.
“A globalização produziu ganhadores e perdedores. Existem mais ganhadores nos últimos 30 anos. Mas agora precisamos olhar para os perdedores, aqueles que não conseguiram acompanhar o processo”, disse. “Precisamos de uma globalização mais inclusiva.”
Richard Kozul-Wright, diretor da Divisão sobre a Globalização da Conferência das Nações Unidas para o Comércio, não tem dúvidas de que o momento é o de maior questionamento do atual sistema internacional. “Eles (os participantes do fórum de Davos) estão preocupados e estão, finalmente, falando sobre outra economia”, disse.
Todos os dados mostram, porém, que a atitude dos governos não segue o “mapa” criado por Davos. No fim de 2018, o número de medidas protecionistas adotadas pelas maiores economias bateram recorde e as novas barreiras já atingem um comércio equivalente a US$ 481 bilhões.
Schwab e a cúpula da ONU concordam: falta uma liderança mundial para reverter a atual tendência populista e nacionalista. Davos, portanto, se apresenta como candidato para ser o palco dessa discussão. Mas Kozul-Wright alerta: “A reforma não virá daqueles atores que, por tantos anos, ganharam tanto com o sistema”.
(Com Estadão Conteúdo)