Agências com filas no lado de dentro e à porta, longa espera nos serviços de atendimento telefônico e volume titânico de recursos disponíveis em novas modalidades de empréstimo e linhas de crédito. Eis a atual realidade dos principais bancos brasileiros em meio à pandemia de Covid-19 no país. Desde o início de março, quando o Banco Central (BC) assumiu posição de destaque no enfrentamento da crise sanitária, foram liberados às instituições financeiras mais de 200 bilhões de reais para ser disponibilizados aos clientes na forma de novos financiamentos ou para a renegociação de dívidas tanto de empresas quanto de pessoas físicas. Nesse cenário, os bancos seguem em ritmo frenético para estruturar a base de programas e sistemas digitais que permitam a disponibilização de tamanho volume de dinheiro em tempo recorde. O fato é que essas instituições têm deparado com sérias dificuldades na tarefa e não poupam críticas ao BC. Elas argumentam que as medidas foram anunciadas de modo praticamente unilateral pela autoridade monetária e deixaram pouquíssima margem de negociação e quase nenhum prazo para que se ajustassem. Em tal roteiro mal-ajambrado se desenha o mais recente capítulo da história bancária brasileira, em que um conceito comum predomina: a concentração e a falta de concorrência no setor.
Com tamanho volume de recursos em caixa e uma procura desproporcional à média dos tempos menos turbulentos, as estruturas bancárias que incluem modelos digitais dos primórdios da informática, nos anos 1970, os chamados “bancões”, não estão dando conta da disponibilização do crédito. Para piorar, existem prazos para ser cumpridos segundo as normas do Banco Central. Uma vez solicitada a renegociação de parcelas de um financiamento imobiliário, a instituição financeira precisa resolver a situação antes que a mensalidade do cliente vença. A principal questão a ser solucionada é: como avaliar de forma praticamente simultânea pedidos de renegociação em contratos que perfazem mais de 300 bilhões de reais? Dirigentes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) queixam-se de que a relação entre o número de pedidos às instituições e o número de funcionários que trabalham em regime de isolamento social tornou muitos processos inviáveis. “Há papéis e contratos, mesmo digitalizados, a que o acesso de casa por esses analistas é impossível”, reclama um diretor da entidade.
Além da conjunção adversa, os sistemas utilizados pelos bancos no processamento e armazenamento de dados não ajudam. As mais importantes instituições do país se consolidaram como grandes corporações nas décadas de 80 e 90, época em que o principal sistema operacional para processamento de dados bancários era o Cobol, criado em 1959 para rodar em máquinas de grande porte — situação que perdura até hoje. Não apenas por aqui, diga-se. Nos Estados Unidos os bancos também sofrem a mesma dificuldade (e a crise de 2008 deixou poucas lições nessa seara). Tanto que a IBM voltou a procurar desenvolvedores do programa, muitos deles gozando de confortável aposentadoria, para suprir o aumento da atividade dos sistemas bancários. Os bancos brasileiros, vá lá, têm parcela de culpa, mas a inércia de atualização passa ainda pela forma condescendente com que o poder público sempre tratou tais instituições.
Durante os anos de gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os bancos registraram lucro líquido recorde, de 174 bilhões de reais, e ao mesmo tempo se beneficiaram de uma confortável política pública que não se preocupava em fomentar a concorrência, o que ampliou o número de instituições no setor. Resultado: aumentaram as fusões e aquisições que apenas fortaleceram os gigantes e intensificaram a concentração bancária. Segundo dados do próprio BC, mais de 90% de todas as agências pertencem a apenas cinco bancos. Ao menos 80% das operações de crédito, por sua vez, também são feitas por essas mesmas instituições. Como esses grandes bancos são corporações titânicas, qualquer manobra leva meses para ser concluída — daí os atrasos em tempos que exigem agilidade e prontidão. “Banco, no Brasil, não gosta de dar dinheiro, gosta de receber dinheiro”, afirma o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas Gomes.
Dentro do Banco Central, o diagnóstico é que a situação inspira preocupação. A maior probabilidade é que os recursos sejam liberados para empresas sólidas, com menor risco de calote. O intuito, porém, era que fossem direcionados aos clientes mais necessitados, exatamente aqueles que estão em dificuldades. São os pequenos e médios empresários que empregam o maior volume de trabalhadores — 53%, de acordo com o Sebrae — e justamente os que enfrentam mais empecilhos na hora de obter crédito. Diretores do BC não escondem sua opinião de que os bancos reclamam de barriga cheia. Em reuniões privadas com representantes do setor, reiteram que não há risco de insolvência bancária durante a crise. O BC tem sinalizado que vai minimizar os impactos da crise para as instituições financeiras. Mas cobrará que tamanho esforço tenha o resultado esperado.
Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684