Todos já estavam prontos para a má notícia a ser conhecida no dia 1º de junho, quando o IBGE deve revelar os dados do PIB do primeiro trimestre do ano. O script já previa que o governo Luiz Inácio Lula da Silva buscaria os culpados e as justificativas — em especial, na figura do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, por causa da alta taxa Selic estabelecida pela autarquia — para o resultado negativo de seu início de mandato. Por outro lado, a oposição aproveitaria os dados para atacar o Executivo e creditar o mau momento às falas de Lula que trazem incertezas ao mercado financeiro e investidores, como as críticas ao BC e a tentativa de retomar o comando da Eletrobras.
Pelas últimas três semanas, porém, bancos e analistas financeiros passaram a revisar as projeções de crescimento da economia brasileira para 2023. Afinal, alguns dados recentes dos setores de serviços, comércio e agronegócios começaram a indicar uma atividade econômica acima do esperado. O movimento culminou com a surpresa positiva na medição do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que registrou avanço de 2,41% no primeiro trimestre, mesmo após uma leve queda em março, menor que a projetada. Tal índice costuma ser encarado como uma espécie de prévia do PIB, apesar de utilizar metodologia diferente.
Por causa disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou a informação de que o governo deve revisar suas estimativas de expansão do PIB no ano, de 1,6% para 1,9%. E ele não está sozinho nisso. Na segunda-feira 22, o consenso de mercado, divulgado pelo BC, indicava expectativa de alta de 1,2% para 2023. Apenas sete dias antes, ficava em 1,02%. Nos dias anteriores, todos os grandes bancos já tinham alterado suas projeções. O Santander, de 0,8% para 1%, o Itaú, de 1,1% para 1,4%, e o Bradesco, de 1,5% para 1,8%.
Não são números nada deslumbrantes, mas representam um alívio bastante representativo frente às expectativas para o primeiro ano de governo Lula. “Fomos surpreendidos ao longo desse primeiro trimestre. Havia um efeito inercial de investimentos feitos nos últimos anos e a expectativa de uma safra agrícola bastante positiva. Mas a safra está ainda maior do que estávamos esperando, e isso coloca mais renda em circulação”, analisa Myriã Bast, economista do Bradesco. “A renda do trabalho também surpreende, já que o mercado de trabalho continua muito aquecido, e isso impacta a renda das famílias e, consequentemente, o consumo.”
Demonstrando o imenso dinamismo do setor, apenas o agronegócio deve crescer 10% no ano, segundo a estimativa do banco. Se confirmado, será resultado de uma safra recorde, prevista atualmente em 302,1 milhões de toneladas pelo IBGE. Dessa forma, ela ficaria 14,8% acima da obtida em 2022 (de 263,2 milhões de toneladas). O agro também ajuda por sua influência na renda das famílias, já que uma produção maior causa a diminuição de preços internos e melhora o poder de compra do consumidor.
Se um bom desempenho no campo já era esperado, mesmo que não em tamanha intensidade, a grande surpresa tem ficado com a resiliência demonstrada pelo setor de serviços. Passado o momento de reabertura da economia, com o fim das restrições causadas pela pandemia, havia a expectativa de que o consumidor começasse a gastar mais com restaurantes, viagens, passeios e cuidados pessoais. Mas a euforia consumista pós-reclusão não deveria se sustentar por tanto tempo — nem a renda extra poupada nos dias de resguardo.
No entanto, o empurrãozinho da retomada, que parecia ter o seu efeito se esvaindo no fim do quarto trimestre de 2022, tem resistido, provocando neste ano a criação de 526 000 vagas formais, o de maior peso para a economia. Trata-se de um ritmo similar ao de 2022, quando foram abertos 2 milhões de vagas em todo o ano. “As coisas não estavam tão ruins quanto foram vendidas, tanto que o mercado de trabalho segue crescendo, o país terminou o ano em superávit e há um carregamento estatístico de 2022”, resume Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs. “Mas, claro, a política fiscal ajudou a acelerar esse cenário. Houve um impulso fiscal muito significativo.”
A manutenção dos 600 reais em programas de transferência de renda, o reajuste dos servidores públicos, o aumento do salário mínimo — que subiu em janeiro e novamente em maio — mantiveram o fôlego da economia. Esses incentivos se somam aos cerca de 800 bilhões de reais consumidos acima do teto de gastos, estouro provocado pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro, em seus três últimos anos de gestão, e justificado pelo combate aos efeitos econômicos causados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, e que também teve como forte motivação o interesse de atrasar a chegada de uma crise econômica para depois das eleições presidenciais.
Tantos gastos acumulados, porém, consistem num dos grandes riscos para esse cenário atual se manter. Ao trazerem mais incertezas para uma trajetória de queda da dívida pública, as despesas exageradas estimulam que o BC mantenha por mais tempo a taxa de juros em patamar alto. Afinal, se o governo corre mais risco de ficar insolvente, as taxas cobradas do investidor precisam ser maiores. Com a Selic atualmente estacionada em 13,75% e com uma desaceleração global em curso, o PIB do segundo semestre pode não manter o mesmo ritmo. Para piorar, o nível de inadimplência brasileiro é recorde. Atingiu 6,5 milhões de empresas e mais de 70 milhões de pessoas, segundo a Serasa Experian, caracterizando um momento de crédito escasso e de maior dificuldade de pagar dívidas mais disseminadas. A expectativa do entorno do presidente Lula é de que o avanço no Congresso do projeto do novo marco fiscal, desenhado pela equipe de Haddad, possa contribuir para diminuir as incertezas. Dessa forma, o BC pode se sentir mais seguro em cortar os juros já no início do próximo semestre e diminuir o aperto na economia.
Antes disso acontecer, também é necessário que a inflação demonstre estar sob controle. Nos últimos doze meses até a metade de maio, a prévia do indicador está acumulada em 4,07%, ficando abaixo do teto da meta para 2023. A expectativa para o fim do ano é maior que isso, em torno de 5,8% — mas ficava acima de 6%, apenas uma semana antes. Se não houver um repique nos preços dos combustíveis, as projeções podem melhorar um pouco mais. Em meio a essa trajetória positiva, cabe a Lula segurar o leme — no caso, as palavras — e não estragar o momento. “Essa história do governo atacando o presidente do BC, como se ele sozinho decidisse os juros, mostra um certo desrespeito com as instituições. E isso faz com que o empresário repense sobre investir ou não”, analisa o economista Claudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. “Estamos saindo de algo muito sério, que foi o 8 de Janeiro, mas ainda ocorre essa ofensiva contra o BC. Então, a nossa estabilidade institucional não é algo 100% resolvida.” Ou seja, para poder colher um crescimento maior, é hora de favorecer tudo que traga mais estabilidade para o investidor, ou a surpresa do primeiro trimestre, além de positiva, pode ser também fugaz.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843