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Artigo: Da jabuticaba à Black Friday

Ninguém acreditava que uma empresa que vende quase de tudo pela internet poderia ser viável. Agora, o comércio eletrônico é cada vez mais onipresente

Por Stelleo Tolda*
Atualizado em 4 jun 2024, 13h52 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00
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  • O plano de negócios do Mercado Livre, lançado em 1999, foi recebido com certa desconfiança. Quando Marcos Galperin e eu apresentamos a ideia aos nossos colegas na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, ouvimos que o consumidor latino-americano não aceitaria comprar um produto sem antes vê-lo e tocá-lo. Ouvi comentários semelhantes de outros colegas de um dos bancos onde trabalhei no fim dos anos 1990. Eles se mostraram curiosos, mas bastante céticos em relação ao investimento em um negócio de comércio eletrônico no Brasil. Eu me lembro, naquela época, de um almoço que tive com essa turma em um restaurante em São Paulo. Na ocasião, ouvi também a respeito das dificuldades de empreender no Brasil em meio a tantas jabuticabas e desafios macroeconômicos recorrentes no país.

    No entanto, nunca duvidei do potencial do negócio. Sabia que o consumidor brasileiro em particular, e o latino-­americano de uma maneira geral, não divergia em sua essência do consumidor americano ou de outras regiões do mundo mais desenvolvidas. Eu e meus sócios queríamos (e ainda queremos) excelência na experiência de compra: sortimento, bom custo-benefício e acesso mais imediato possível ao produto desejado. Sabíamos que o advento da internet transformaria, em escala e proporção, o princípio básico de oferta e procura.

    No ano 2000, tínhamos algumas dezenas de tipos de produtos disponíveis na plataforma, como o “telefoninho”, um gadget que permitia fazer ligações telefônicas e que era o grande objeto de desejo do e-commerce à época. Saltando 21 anos, depois de enfrentar diversas crises políticas e econômicas, tanto globais quanto locais, e engolindo jabuticabas mais ou menos azedas, seguimos mais confiantes do que nunca. Atualmente, com mais de 300 milhões de anúncios, 76 milhões de usuários ativos e 12 milhões de vendedores únicos, o Mercado Livre é o espelho do sucesso de todo o setor de tecnologia para o e-commerce e os serviços financeiros da América Latina, não apenas pelo valor de mercado da companhia na bolsa americana Nasdaq, mas por toda a cadeia de milhões de empreendedores, pequenos comércios, grandes redes varejistas e empresas de logística que impactamos positivamente.

    Mesmo no cenário adverso da pandemia, dados da empresa de inteligência de mercado Compre & Confie mostram que, no terceiro trimestre de 2020, o e-commerce já ultrapassou toda a receita do ano passado. Segundo análise do banco Goldman Sachs, o comércio eletrônico deverá representar uma alta de pelo menos 40% em relação ao mesmo trimestre de 2019 — no mesmo período, as vendas do Mercado Livre avançaram 74% no Brasil. Não é só. Estima-se também que a penetração do e-commerce no varejo deverá saltar para 11% até o fim do ano, o que representa entre 5 e 6 pontos porcentuais acima do que registrávamos antes da pandemia.

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    As mesmas pessoas que buscaram o e-commerce em março e abril, no auge da pandemia, para se abastecer de produtos essenciais agora compram de tudo e com mais frequência: de alimentos a eletroeletrônicos, de itens de maquiagem a automóveis. Acredito que, tanto para o Mercado Livre, que dobrou sua operação neste ano, quanto para os seus concorrentes, a tendência é que o mercado continuará se expandindo em ritmo veloz.

    “A pergunta que me faço é: quando conseguirei comprar minhas frutas favoritas no Mercado Livre?”

    Observo esse futuro se materializando nesta Black Friday. No evento, o e-commerce como um todo entregou volumes maiores, em geografias mais afastadas dos centros comerciais e com mais celeridade do que já havia feito em duas décadas. De nosso lado, reforçamos os investimentos em logística e tecnologia, com uma frota aérea e viária e novos centros de distribuição. Tudo isso para a Black Friday de 2020? Não apenas. Pensando no longo prazo, acredito que o sucesso do e-commerce daqui pra frente será medido justamente pela capacidade das plataformas de varejo digital e marketplaces de unir bits e bytes com o mundo dos átomos, ou seja, tecnologia e logística, facilitando sempre a navegação na plataforma, ampliando o sortimento de produtos, oferecendo um atendimento de pós-venda para auxiliar o comprador e o vendedor, dando-lhes acesso a bons negócios, pagamentos instantâneos e serviços financeiros e de crédito.

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    Mesmo assim, esse ainda não é o auge. Quando reflito sobre tudo o que ainda temos de conquistar, penso em mangas-rosas. Afinal, quando é que vou conseguir comprar minhas frutas favoritas — quiçá até jabuticabas — com a mesma celeridade e escala com que consigo obter quase tudo não perecível no Mercado Livre? Já temos alguns exemplos de redes de supermercado com e-commerces eficientes e algumas plataformas concorrentes com parcerias para entregas rápidas de alimentos. No entanto, ainda não chegamos a um modelo de logística específico, eficiente e rentável para o e-commerce que garanta entregas de não perecíveis no mesmo dia, em horas, para todo o Brasil.

    Tenho certeza de que chegaremos lá. Ao avançar em categorias desafiadoras como as de supermercado, setor automotivo e moda, o e-commerce tende a fomentar ainda mais o ciclo virtuoso que move de pequenos produtores e microempresas de entrega a grandes marcas e distribuidores logísticos de escala nacional, conectando todos ao público consumidor. É com essa perspectiva que sigo otimista e confiante de que sairemos mais fortes da pandemia do coronavírus, com aprendizados que vão gerar frutos saborosos para quem compra e quem vende no Brasil e na América Latina.

    *Stelleo Tolda é cofundador do Mercado Livre, empresa líder em tecnologia para e-commerce e serviços financeiros da América Latina

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    Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717

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