Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, defende uma verdadeira revisão de como o Brasil lida com a sua economia, para que possa se inserir na nova onda de crescimento global que promete se iniciar após vencida a pandemia.
O que falta para o Brasil aproveitar a retomada econômica e engrenar um crescimento mais consistente e sustentável? Existe um problema de produtividade muito sério. É isso que, em última instância, gera renda e crescimento. O país sempre deu pouquíssima ênfase à educação, e sempre delegou ao Estado um papel econômico exagerado, pouco planejado e pouco analisado. O Brasil está fora do trem da inovação. A infraestrutura é carente e existe um manicômio tributário que é caro e que dificulta a integração interna do país, um ponto em geral esquecido.
Qual o maior desafio de curto prazo que deveria ser enfrentado? Temos dificuldades graves no uso do dinheiro público. Não é apenas uma questão fiscal, mas de natureza política, ligada à incapacidade de arbitrar prioridades. Nossos representantes precisam dar mais ênfase aos grandes objetivos sociais, que representem avanços para a maioria das pessoas. A prioridade deveria ser zelar pelo futuro do país. Essa balança está desequilibrada. O Brasil não consegue se organizar politicamente para crescer mais rápido e encostar no padrão das economias e sociedades mais avançadas. Estamos há quarenta anos sem conseguir encurtar a distância até os Estados Unidos. É muito frustrante. Essa dificuldade tem raízes políticas, eventualmente culturais.
O Brasil está desalinhado com as grandes discussões de desenvolvimento atuais? O mundo repensa a democracia, com menos influência do dinheiro, com menos espaço para autoritarismos. Antevejo uma reinvenção da social-democracia ou do liberalismo progressista, com uma cara mais verde, mais solidária. Mas é triste que o pêndulo da nossa política esteja mais para uma bola de demolição, sempre pendendo aos extremos.
O governo costuma qualificar o combate à pandemia e a preservação do meio ambiente como entraves ao crescimento econômico. Como o senhor avalia esse posicionamento? Vacinação e meio ambiente são questões existenciais e conectadas. Ambas dizem respeito a vidas expostas e custos sociais que se acumulam. Ambas são maltratadas no país, em decorrência do desprezo do governo pela ciência. Não é razoável pensar que destruir a Amazônia pode ser viável sob algum ponto de vista econômico. Espero que o governo mude de ideia antes de uma derrota nas próximas eleições.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739