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A volta do auxílio emergencial traz o dilema de uma conta que não fecha

O Ministério da Economia enfrenta o desafio de propor um valor factível para a ajuda, que não afete o teto de gastos e não inquiete o mercado financeiro

Por Victor Irajá, Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 13h43 - Publicado em 12 fev 2021, 06h00
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  • O cenário escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para anunciar a volta do auxílio emergencial na última quinta-feira, 11, não podia ser mais emblemático: a base de Alcântara, no Maranhão, um dos estados que mais receberam o benefício durante a pandemia. Segundo o presidente, os pagamentos devem voltar a partir de março, em três ou quatro parcelas. “Não sabemos o valor. Isso está sendo acertado entre o Executivo e o Parlamento, porque há a questão da responsabilidade fiscal”, afirmou. Com sua declaração, Bolsonaro confirmou aquilo que nos bastidores do poder em Brasília e até mesmo entre os tubarões do mercado financeiro da Faria Lima era dado como certo. No mesmo dia, o novo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já havia mandado um recado a respeito do assunto: “O governo tem de encontrar rapidamente uma alternativa, uma solução imediata para o auxílio”, disse ele. A grande questão agora diz respeito à definição do valor a ser pago, tarefa que cabe ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

    As pressões em torno do auxílio emergencial têm tanto raízes política quanto econômicas. Com o fim do benefício no ano passado, as pesquisas de aprovação do presidente Jair Bolsonaro passaram a trazer números menos favoráveis ao capitão. Do ponto de vista da economia, os efeitos da retirada do benefício somados a um recrudescimento das contaminações da Covid-19 passaram a apontar para a perspectiva de queda do PIB no primeiro trimestre. Com a volta dos pagamentos, tais cenários desfavoráveis podem ser revertidos. Mas, para que isso aconteça, Guedes terá um hercúleo desafio pela frente: como conjugar a nova ajuda com as imensas restrições fiscais que o governo enfrenta?

    O Orçamento para 2021 ainda não está aprovado, mas contas preliminares, a partir da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentada no fim do ano passado, estimam que o governo terá parcos 83,9 bilhões para investir, desconsiderando os gastos obrigatórios e sem causar o estouro do teto de gastos. Como comparação, o auxílio emergencial dado no ano passado, que começou em 600 reais e passou para 300 reais, custou ao todo 293 bilhões de reais. Tamanho dispêndio só foi possível com a criação de um Orçamento de Guerra, estruturado para enfrentar a crise e que não incorria no estouro do teto de gastos.

    arte auxilio emergencial

    Até o momento, Guedes resistiu à pressão ao vincular o projeto de novo auxílio à aprovação do Orçamento e da PEC Emergencial, que cria gatilhos para a diminuição de custos da máquina pública. Com isso pretendia ganhar tempo e conhecer a folga que terá no Orçamento. “Nós temos de pagar pelas nossas guerras. Se estamos em guerra com o vírus, temos de arcar com ela, e não simplesmente empurrar irresponsavelmente esses custos para as gerações futuras”, disse o ministro, na quarta-feira 10.

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    Com o anúncio feito pelo presidente, Guedes dificilmente terá nas mãos todos os instrumentos que deseja para fazer suas contas, pois o Congresso pode demorar para apreciar essas questões. Depois de muita protelação, o Parlamento consolidou apenas nos últimos dias a Comissão Mista de Orçamento (CMO), para definir o plano de gastos do Executivo para o ano. A partir disso, os integrantes estimam aprovar o Orçamento até março. O avanço da PEC Emergencial pode ter tramitação ainda mais incerta. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em sua primeira semana no posto, declarou que não vincula a votação do auxílio à da PEC Emergencial.

    Cada vez que políticos palpitam sobre assuntos econômicos, o mercado reage com quedas no Ibovespa. Desde o início do ano virou uma constante a relação de dias negativos na B3 com frases de congressistas que indicam que o auxílio está mais próximo. Na quinta-feira, logo após a declaração de Bolsonaro, o Ibovespa perdeu 1 000 pontos (índice recuperado no decorrer do dia, uma vez que o mercado operava em alta). O que mais preocupa é a possibilidade de o auxílio ser aprovado sem uma contrapartida clara de onde vai sair o dinheiro, o que desrespeitaria o teto de gastos. “O mercado não é contra o auxílio, mas quer que o governo sinalize que, se vai gastar mais de um lado, vai poupar em outro”, explica Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e estrategista-chefe da gestora Wealth High Governance.

    Por isso, o cenário favorito de Guedes é aprovar uma espécie de auxílio vinculado à PEC Emergencial. Isso permitiria até reconfigurar a ajuda e integrá-la ao Bolsa Família, que já atende a mais de 15 milhões de famílias com valor próximo dos 200 reais, tornando o benefício perene. O ministro também tenta costurar com Pacheco a possibilidade de editar uma nova medida provisória que reconfigure o Orçamento de Guerra, desvinculando os gastos temporários de combate à Covid-19 dos dispêndios correntes. Essa estratégia tem muitos riscos, começando pelas fortes chances de o Congresso inserir os chamados “jabutis”, que desfigurariam o projeto.

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    ALINHADOS - Lira e Pacheco, novos presidentes da Câmara e do Senado: a missão de aprovar o auxílio para Bolsonaro -
    ALINHADOS - Lira e Pacheco, novos presidentes da Câmara e do Senado: a missão de aprovar o auxílio para Bolsonaro – (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

    Em seus planos, Guedes deseja conceder um auxílio bem mais modesto do que o de 2020. Grande parte da equipe econômica acredita que, em meio à pressão da pandemia, foram distribuídos mais recursos que o necessário. Agora, o ministro estima que será preciso menos dinheiro para enfrentar a diminuição do ritmo econômico deste início de ano. “O principal desafio de um novo auxílio envolve descobrir a forma de torná-lo mais eficaz e atingir aqueles que, de fato, mais precisam”, diz Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda.

    Uma proposta em estudo pelo ministério seria liberar 200 reais apenas para trabalhadores informais não contemplados pelo Bolsa Família. Seria um contingente de 30 milhões de pessoas, ante os 67,9 milhões beneficiados em 2020. Se a ajuda durasse três meses, os gastos totais atingiriam 18 bilhões de reais. É muito menos que os quase 300 bilhões de reais distribuídos em 2020, mas ainda assim representaria mais de um quinto de tudo que o governo pode ter para investir este ano. Em qualquer cenário, a melhor saída seria a aprovação da reforma administrativa, que racionaliza os gastos com os funcionários públicos, permitindo economia de longo prazo. O que não falta é onde cortar. O governo gasta, por exemplo, 4,2 bilhões de reais por ano apenas com treinamento dos servidores. Existe, porém, esperança de mudança. Depois de uma reunião com Guedes, o novo presidente da Câmara encaminhou a proposta de reforma administrativa do governo à Comissão de Constituição e Justiça, para que tenha início a sua tramitação. É fato que medidas que contemplem a diminuição de salários dos servidores encontram pesada resistência corporativa até em Bolsonaro, mas o governo precisa indicar que vai arcar com seus compromissos. Ou corre o risco de que o ressurgimento do auxílio para estimular a economia acabe tendo o efeito contrário, levando a mais instabilidades fiscais e à fuga dos investimentos.

    Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725

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