A 94ª edição do Oscar tinha tudo para se tornar uma grande celebração da retomada da vida normal no pós-pandemia. A festa exibia pela primeira vez um time 100% feminino de apresentadoras, a neozelandesa Jane Campion fez história como a terceira mulher a ganhar a estatueta de direção — e a Academia de Hollywood deu uma aula de inclusão ao escolher como melhor filme No Ritmo do Coração, e premiar como coadjuvante uma de suas estrelas, o deficiente auditivo Troy Kotsur. Tudo lindo, mas a imagem que ficou foi a de um show de descortesia: o tapa desferido por Will Smith em Chris Rock em pleno palco do Oscar. O humorista provocou, é verdade, ao fazer uma piada de tremendo mau gosto e falta de sensibilidade com a esposa do ator, Jada Pinkett Smith, portadora de alopecia, doença que causa queda de cabelos. O comportamento de Rock, porém, deixou de ser uma questão no instante em que Smith, visivelmente transtornado e agressivo, tascou-lhe um tapa no rosto ao vivo. De volta ao seu lugar, ainda proferiu palavrões ouvidos por uma audiência de mais 15 milhões de pessoas apenas nos Estados Unidos. A violência ofuscou a primeira estatueta da carreira de Smith — que, após três indicações, venceu por seu papel em King Richard. No discurso de vitória, o ator se desculpou e disse que “o amor faz a gente cometer loucuras”. No dia seguinte, divulgou uma nova nota se dizendo envergonhado. Depois, até pediu perdão a Rock. Mas era tarde: o arroubo de agressividade manchará para sempre sua carreira. Ele levou o Oscar, mas perdeu a razão.
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783